Mas se é possível perceber que Shopenhauer tocou nos nervos da teoria freudiana, assim como o próprio Nietzsche, com a sua Genealogia da Moral, Freud foi mais longe. E por que foi mais longe? Por um pequeno mais decisivo detalhe, qual seja, pela sua coragem moral de seguir avante com uma idéia até o âmago dela.
Claro que não é só isso, certamente, basta citar a originalidade da sexualidade infantil algo inimaginável no inicio do século XX, assim como a descoberta do inconsciente ou do sintoma neurótico. Mas esse espírito desbravador, coisa que ele mesmo reconheceu nele ao dizer a seu amigo Wilhelm Fliess, que o que o distinguia do resto dos mortais, não era ser ele um homem de ciência, nem um observador, nem mesmo um experimentador, nem um pensador, e sim, um conquistador por temperamento, com a curiosidade, ousadia e tenacidade de tal homem.
Freud nunca flertou de perto com a filosofia (ao contrário de Lacan que não só flertou como a usou), porque achava que toda filosofia era um sistema fechado de mundo. Que tendia a cair em um dogma. Se tomarmos como exemplo o mundo como uma representação mental, de Shopenhauer, caímos inevitavelmente nessa idéia onde a possibilidade da contradição está ausente.
A idéia, por exemplo, de um mundo ideal que Marx elaborou a partir da crença linear (algo tomado de empréstimo de Hegel, ainda que depois tenha jogado Hegel para o lado) da vida humana, culminando na ascenção do socialismo é um desses exemplos. É interessante pensar nisso. A própria contradição que Marx viu tão bem nas sociedades antigas, no feudalismo, e principalmente no capitalismo, não percebeu (ainda que humano, demasiado humano) com a chegada em cena do socialismo.
Ao contrário do que Marx pensava, o capitalismo se mostrou extremamente flexível e se adaptou ou se readaptou as inúmeras crises coletivas. Foi essa espécie de plasticidade que Freud percebeu no humano, em especial na libido, ou seja, no desejo humano. Diferente de vê a vida como uma representação mental, Freud achava que se haviam representações mentais, ou o principio do prazer como ele chamou, da mesma forma havia a realidade externa, o principio da realidade, que podia ser diferente da “minha” representação mental. Essa separação entre o Eu e o outro é que promove a mobilidade humana, permite o jogo das diferenças, enquanto a não separação resulta no impasse, na fixidez, no dogma, ou em linguagem política, na não democracia.
Não foi à toa que Nietzsche percebeu que o futuro da humanidade seria a psicologia, percebendo em Dostoievski o primeiro psicólogo moderno. Nietzsche na verdade foi muito mais psicólogo que Dostoievski. Mas ai também seria querer demais para o escritor. Neste sentido, a idéia de pensar como um psicólogo a sua criação não conta, se assim fosse não haveria criação, o que conta é mostrar a dimensão humana em toda sua riqueza e variedade através do ato criativo. Nesse sentido é o escritor que irá romper com os dogmas e os sistemas fechados. A criação literária abre as celas e as cadeias do humano, por onde a política totalitária, por exemplo, fixa para sempre os seus castelos e os seus ideais. Freud continua sendo um grande divisor de águas.
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