O governo saiu da posição de imobilismo sob o impacto do conflito sem precedentes, às portas da sua sede, entre agentes civis armados e amotinados e a Tropa de Choque da PM chamada a impedir a invasão do palácio. Decerto não se teria chegado a esse episódio de extrema gravidade, incitado pelo sindicalismo de perversos resultados políticos, se o Executivo estadual tivesse atentado a tempo - como já assinalamos nesta página - para a extensão do descontentamento da Polícia com os baixos salários, a estrutura da carreira e os critérios para as aposentadorias dos 35 mil servidores do setor. Mas o pacote afinal autorizado pelo governador José Serra representou um avanço inequívoco em relação à primeira - e irrealista - oferta, ao custo adicional de R$ 830 milhões para os cofres estaduais.
Em síntese, o governo se dispôs a conceder dois aumentos de 6,5% (um em janeiro próximo, outro no mesmo mês de 2010) no salário-base da categoria, além de promover cerca de 17 mil policiais, entre eles 1.100 delegados, mediante a extinção da chamada 5ª classe da carreira, a de menor paga, e a transformação da classe seguinte em estágio probatório, e restabelecer a aposentadoria especial. "Quem tiver promoção ganhará um bom aumento, mas a maioria terá pouco e haverá ainda os que vão ganhar menos", criticou o diretor da Associação dos Delegados, André Dahmer, inicialmente favorável ao fim da greve - e hoje dizendo que pode durar até o fim do governo Serra. Os policiais reivindicam, entre outras coisas, reajuste imediato de 15%, mais 12% em 2009 e 2010.
O delegado se queixa de que "faltou diálogo". Retruca o governo que o diálogo é prejudicado pela recusa dos grevistas de suspender o movimento - e praticamente impossibilitado pela inexistência de uma pauta única, estável, de demandas. O inchaço dos pedidos se explica pela fragmentação dos interlocutores do Executivo: são nada menos de 18 os organismos interessados, que representam diferentes setores corporativos da Polícia Civil, agregando pontos específicos à agenda básica. A Associação dos Delegados, por exemplo, insiste numa "ampla reforma" da Polícia Civil. Eles compartilham com colegas de outros Estados a reivindicação de equiparar os seus salários iniciais aos dos juízes e promotores, cujo piso, em São Paulo, é da ordem de R$ 19 mil mensais. O dos delegados, atualmente, é inferior a R$ 4 mil. (Passaria a R$ 5.203.)
A frente da crise se transferiu para a Assembléia Legislativa. O Palácio dos Bandeirantes deixou as eventuais negociações sob a responsabilidade do líder do governo, Barros Munhoz. De novo, no entanto, não está claro quais e quantos serão os interlocutores. Parte das lideranças grevistas, por sinal, desrespeita a hierarquia da instituição, propensa a buscar um acordo capaz de levar ao fim da greve, por intermédio do Legislativo. Já os mais duros querem manter o foco das pressões voltado para o Executivo. A "nacionalização" do problema joga a favor da intransigência. A eclosão de greves no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro é tida como provável. Outras podem acontecer na Bahia, Pará, Acre, Alagoas e Paraná.
A Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) convocou os sindicatos estaduais para uma reunião em Brasília. "Vamos discutir um movimento nacional", diz o presidente da entidade, Jânio Gandra. Ele cita entre as principais demandas em comum a aposentadoria especial e a reestruturação das carreiras - esta última embute a aprovação de uma emenda constitucional para que o piso salarial dos delegados seja igual, em cada Estado, ao dos promotores públicos. É um cenário sombrio.