Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 26, 2008

José Roberto Mendonça de Barros:''A atividade terá forte desaceleração''

Especialista diz que dados preliminares indicam que desaquecimento da economia é mais intenso do que se esperava

Leandro Modé

O economista José Roberto Mendonça de Barros está à frente da consultoria MB Associados há 30 anos. Nesse período, já vivenciou várias crises - internas e externas. A atual, diz ele, sem pestanejar, é a pior de todas. "É um negócio muito, mas muito grave o que está acontecendo no mundo e vai nos afetar", afirma. Segundo ele, há muita incerteza no horizonte, o que deveria fazer o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) ser cauteloso na reunião que começa na terça e termina na quarta-feira.

Qual a sua avaliação sobre o Copom desta semana?

Não tenho dúvidas de que o Copom deveria parar com a trajetória de elevação dos juros neste mês e no próximo. Há quatro razões para isso. Primeiro, estamos no meio de enorme volatilidade, está difícil avaliar o que vem adiante. A segunda é que estamos vivendo uma paralisia, uma morte súbita do crédito, como nunca se viu. Além disso, as poucas operações de crédito feitas têm taxas de juros muito elevadas. A última observação tem a ver com o nível do dólar. Os colegas que acham que os juros deveriam continuar subindo dizem assim: O dólar está muito alto, isso vai causar inflação, então temos de aumentar os juros. Deve ser ponderado o fato de que o dólar está muito volátil. A experiência mostra que a volatilidade não vira preço, ou seja, o empresário não tem o termômetro adequadamente funcionando e, na dúvida, não dá preço de forma definitiva. Ao mesmo tempo, há indicações claras de redução de demanda.

O balanço de riscos hoje é francamente pendente para uma forte desaceleração da atividade?

Exatamente isso. Veremos uma forte desaceleração na atividade econômica. Há três indícios bem objetivos que mostram uma redução brusca em ao menos alguns segmentos da demanda. Primeiro, saiu na quinta-feira o Índice de Confiança do Consumidor da FGV com uma forte piora. Segundo, os dados de consultas ao SPC mostram uma parada surpreendente. Em agosto deste ano, comparado com igual mês do ano passado, esse índice subiu 13,5%. Em setembro, a alta desacelerou dramaticamente para 0,2%. Na primeira quinzena de outubro, foi negativo em 0,4%. Além disso, temos a série da Fenabrave, que mostra que, na primeira quinzena de outubro, as vendas totais de veículos caíram 10,3%. Tem tudo a ver com crédito, mas tem outra coisa que também sugere cautela ao BC: a velocidade do ajuste da cabeça do consumidor. Isso tem muito a ver com o destaque que a imprensa dá à cobertura da crise, mas também ao uso de internet.

Já há risco de recessão no Brasil?

Por ora, não dá pra dizer isso. Dá pra dizer que vamos ter uma desaceleração maior do que poderíamos imaginar.

O impacto já será sentido no 4.º trimestre de 2008?

Não temos dúvida. O que estamos vendo é que o PIB do ano vai ser melhor que o Natal, ou seja, mesmo tendo um impacto no 4º trimestre, o PIB do ano como um todo vai ser relativamente elevado pelo que já ocorreu. Em 2009, esse efeito será no ano todo, com uma característica: o que mais vai sentir é o investimento. A crise estourou para nós em setembro, mês em que 100% das empresas brasileiras começam a discutir orçamento e planejamento estratégico do ano seguinte. A gente tem uma lista de informações de ao menos duas dúzias de empresas grandes anunciando redução de parte ou total do programa de investimentos.

Esse quadro já alterou projeções da MB para o PIB deste ano e para o ano que vem?

Para este ano, é um pouco marginal. Estávamos trabalhando com uma idéia de o quarto trimestre ter uma expansão de 0,4% em relação ao terceiro. Hoje, achamos mais razoável 0,2%. Para o ano que vem, o cenário básico é de um crescimento entre 2,5% e 3%.

Como o sr. avalia a reação do governo até agora?

Deixou a desejar no que tange ao discurso. Boa parte do discurso oficial até esta semana tentava colocar a idéia de que a crise não nos atingiria e seria uma crise modesta. A rigor, nesta semana ficou difícil manter esse discurso. O BC foi exceção, agindo consistentemente, com a melhor qualidade, mas muito voltado para a liquidez e questões envolvidas na área de liquidez e crédito de curto prazo. A segunda coisa que me espanta é a idéia de que o BNDES vai resolver todos os problemas da economia brasileira, coisa que seria desejável, mas está um pouco acima do tamanho do BNDES, seja pela disponibilidade de recursos, seja pelo stress que já ocorre na própria equipe, seja pela natural dificuldade de colocar as coisas em andamento.

E a idéia de estatizar financeiras para a compra de veículos?

A intervenção em instituições financeiras, essa MP 443, é uma alternativa. Mas essa MP também criou alguns problemas porque havia ali algumas coisas meio diferentes, mas é uma possibilidade. O setor público tem de estar preparado para alguma coisa. Tenho sérias dúvidas se esse é o mecanismo melhor. A forma como foi encaminhada não tenho certeza se foi a mais feliz.

Essa questão dos derivativos realmente preocupa?

Preocupa muito. O negócio é grande. Está espalhado em muitas empresas. É uma das coisas que explicam a paradeira do crédito, pois as instituições financeiras e os clientes estão discutindo as operações.

Preocupa em termos de investimento ou até mesmo em termos de solvência das empresas?

Em termos de investimento, certamente, porque qualquer que seja a negociação a ser feita há uma perda de riqueza das empresas. No caso de solvência, ninguém sabe. Mas, sobretudo nas empresas médias, não ficaria surpreso se a gente assistisse a alguns episódios desagradáveis.

O sr. já viu alguma crise parecida com o momento atual?


Nada parecido. Tem até de ter alguma humildade em fazer a avaliação. Quando há rupturas, fica difícil analisar. Mas a onça é muito feia. Não é alarmismo, é muito pé no chão. É um negócio muito, mas muito grave o que está acontecendo no mundo e vai nos afetar.

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