Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 25, 2008

Papel e tinta em réplicas históricas de vestuário

Estilo
Cuidado para não amassar

Exposição flagra momentos da história do vestuário em
réplicas de modelos famosos. Tudo feito de tinta e papel


Sandra Brasil

Fotos divulgação

Bichos, frutas e folhas
Estampa inusitada no vestido que reproduz o de um retrato da rainha Elizabeth I, do século XVI



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Lindos, refinados, bem-acabados... e de papel. Assim são as oitenta peças da exposição Papiers à la Mode, uma impressionante seqüência de vestidos, casacos, capas, sapatos e quimonos recriados com extremo requinte técnico pela artista plástica belga Isabelle de Borchgrave e pela figurinista canadense Rita Brown, em exposição no museu da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), em São Paulo, até 14 de dezembro. Concebida para compor uma síntese de quatro séculos de história do vestuário em cópias de modelos que vão dos enormes vestidos do fim do século XVI até uma réplica totalmente branca do tailleur que se tornou o símbolo do new look de Christian Dior em 1947, a mostra foi apresentada ao público pela primeira vez há dez anos, na França. Na época, tinha apenas 25 vestidos, mas desde então não pára de crescer. "Sempre há alguma novidade", diz Isabelle, 62 anos, que pesquisa os modelos em retratos de personagens históricos e nos arquivos de costureiros mais recentes.

Reproduzir em papel o caimento dos tecidos e a riqueza dos acabamentos parece quase impossível, mas as obras de Isabelle têm a vantagem de recriar modelos que estariam perdidos para sempre e ao mesmo tempo não apresentar o ar de cópia barata que inevitavelmente acompanharia as roupas mais suntuosas. Duas peças ricas em detalhes, retiradas de quadros famosos, exemplificam isso. Uma é o majestoso e original vestido decorado com animais, folhas e frutos com o qual a rainha Elizabeth I da Inglaterra aparece, no auge da glória, num retrato do fim do século XVI. Outra, o modelo com estampado floral – surpreendentemente contemporâneo – tal qual se vê no quadro Madame Moitessier, a deusa burguesa de pele de marfim e olhar pensativo pintada por Ingres em 1856. Os laços, as fitas e as franjas do decote são um desafio à paciência. Mas o modelo que deu mais trabalho, conta Isabelle, foi o vestido listrado do fim do século XVIII que faz parte do acervo do Museu do Vestuário de Kyoto, por causa da profusão de detalhes plissados a ferro, enrugados por costuras sobrepostas feitas a mão. Para quem gosta de moda, ou simplesmente se encanta com roupas bonitas, é de tirar o fôlego.

Decote imortal
Flores e laçarotes na réplica do vestido de madame Moitessier no retrato de Ingres

O material de trabalho básico de Isabelle é papel comum, de embrulho, embora nos detalhes e nas transparências use o tipo ultrafino e macio indicado para limpar lentes de óculos. Ela leva no mínimo uma semana na confecção de cada roupa de papel. "Mas já gastei dois meses em um vestido", diz. "Toda vez que olho para o modelo, mudo alguma coisa. Também faço as jóias, os sapatos e outros detalhes que tomam tempo. Sempre com papel." A artista usa materiais de quem põe a mão na massa: tesoura, cola, agulha, linha, tintas variadas, alfinetes, miçangas e purpurina. As técnicas – estêncil, carimbo, punção – parecem modestas diante do resultado exuberante. Isabelle reproduz estampas e costuras; a canadense Rita é responsável pela modelagem para exposição. Quando não estão expostos, os vestidos ficam guardados em um depósito. Nas viagens, cada um é montado em um manequim fixado em caixa individual de papelão envolta por outra de madeira. Apesar desses cuidados, os danos decorrentes do tempo e do transporte são inevitáveis, mas não lamentados. "Acho fantástico ter de repará-los, repintá-los e deixá-los cada vez mais bonitos para as exposições", diz Isabelle. Ela vive da confecção (exclusivamente em papel) e venda de bijuterias, vasos, guardanapos, caixas, flores e vestidos de noiva: faz em média cinco por ano e cobra o equivalente a 11000 reais. No momento, está terminando os modelos de uma exposição sobre a época dos Médici – trinta vestidos inspirados na magnífica Florença do século XV. Apesar da trabalheira, a rotina de Isabelle, que percorre museus do mundo todo em busca de inspiração, parece um sonho. Recriar a efemeridade da moda num material mais efêmero ainda é um exercício de sensibilidade.

"Trabalho com o que já vi no passado, dando uma impressão nova a partir do que sinto", explica. "Nenhum artista inventa nada. Tudo já foi feito antes."

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