Mas, fosse o PMDB uma agremiação inteiriça e não apenas o maior conglomerado promotor de interesses fisiológicos do sistema partidário nacional, cujos cálculos de conveniência são uns na esfera federal e outros conforme os Estados e os municípios, decerto seria mais instrutiva essa conversa. E teria outro sentido implícito a expressão "noiva cobiçada", como já se fala da legenda, em alusão às expectativas, seja do governo, seja da oposição, de contar com a sua máquina para a próxima eleição presidencial. Aqui e ali, ouvem-se peemedebistas desejando dar ao partido uma identidade programática para resgatá-lo do oportunismo mais crasso.
É o caso do prefeito reeleito de Porto Alegre, José Fogaça. Ele reconhece que o PMDB não é levado a sério porque não tem unidade e, apesar do seu estoque de votos, está fadado a ser coadjuvante ou do PSDB ou do PT. Mas, para a imensa maioria de suas figuras de destaque, de dentro e de fora do governo Lula, isso pouco importa, desde que o partido a quem se aliem as recompense adequadamente. Em São Paulo, por exemplo, o ex-governador Orestes Quércia, que se acertou com o atual, José Serra, para apoiar a candidatura do prefeito Gilberto Kassab à reeleição, diz candidamente que a aliança já pressupunha um "entendimento sobre 2010" - ele para senador e Serra para presidente.
Já na Bahia, o ministro peemedebista da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, cujo correligionário João Henrique se reelegeu prefeito de Salvador (apoiado no segundo turno pelo DEM) contra o petista Walter Pinheiro, defende a manutenção da aliança com o PT para a sucessão de Lula, com o presidente no papel de "grande fiador", e cada qual por si na disputa concomitante pelo governo do Estado. Mas, onde quer e em que sentido se manifestem, os políticos parecem se preparar para o futuro como se o Brasil destes próximos dois anos pudesse continuar sendo o mesmo dos seis anos precedentes - os da era Lula.
Na realidade, como dizia o governador Serra, ontem, ao Estado, ainda falta muito para 2010. Não pelo transcorrer do tempo em si, mas pelo impacto sobre o processo político da crise econômica incomum que já se instalou e que os partidos parecem ignorar nas suas maquinações. A reviravolta no cenário de bonança, entre outros efeitos, obrigará o presidente a governar, como diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), e desafiará a oposição a assumir finalmente esse papel, o que a rigor só aconteceu na era Lula quando a questão em jogo dizia respeito à corrupção. Agora, caberá ao bloco oposicionista formular alternativas para circunscrever até onde é possível o contágio da crise, começando pela apresentação de mudanças substanciais à MP 443, a que dá ao Banco do Brasil e à Caixa o poder de comprar instituições financeiras e empresas em geral.
"Teoricamente", diz o presidente, "esta crise pode causar problemas ao Brasil." Não é teoricamente, de forma alguma. O País "não é aquilo que se disse inicialmente ou se deu a entender", contrapõe o governador Serra, "uma espécie de ilha de tranqüilidade num mar de tempestades". A asfixia do crédito, noticiou ontem este jornal, acertou em cheio, por exemplo, o setor sucroalcooleiro, no qual 75% das empresas já não conseguem pagar os salários em dia. Enquanto isso, os políticos não dão sinal de atentar para a conjuntura adversa nem tampouco para as suas repercussões eleitorais - certamente muito mais decisivas do que as que poderão resultar das, na realidade, insignificantes variações do equilíbrio de forças partidárias produzidas pelo pleito de domingo.