Para o Brasil, essa reunião no Itamaraty só poderia ter, objetivamente, duas serventias. Os ministros da Fazenda e do Exterior poderiam combinar medidas contra uma invasão de produtos chineses, desviados de grandes mercados em recessão, e comprometer-se a não tomar novas medidas protecionistas contra os parceiros sul-americanos. As duas decisões pareciam altamente improváveis desde a proposta do encontro.
Nenhum dos dois pontos foi acertado. O ministro de Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, defendeu a elevação da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul para têxteis, móveis e produtos de couro. Mas nada foi combinado entre os 12 governos da região e esse detalhe nem consta do comunicado final. Além disso, Taiana reafirmou a disposição de seu governo de ampliar as barreiras contra produtos brasileiros. Ele cobrou do Brasil a regulamentação do Acordo de Adaptação Competitiva, uma aberração acordada em 2006 pelos governos dos dois países.
Segundo os ministros, "o comércio regional é um patrimônio valioso para todos os países da região", informa o comunicado. Mas em seguida vem a ressalva: "Não obstante, coincidiram na conveniência de realizar um monitoramento dos possíveis impactos da crise tanto nos mercados financeiros locais como nos níveis de produção e emprego." Em outras palavras: todos se reservam o direito de criar ou elevar barreiras comerciais contra os parceiros sul-americanos segundo as conveniências do momento.
Falou-se também vagamente sobre o uso de moedas nacionais no comércio entre todos os países da região, segundo o modelo já adotado oficialmente no intercâmbio Brasil-Argentina. A idéia pode ter alguma utilidade, mas com certeza muito limitada para os países de comércio mais diversificado - caso do próprio Brasil. A maior parte das importações brasileiras é originária de fora da América do Sul e o País precisa de dólares para sustentar esse comércio.
A maior parte da reunião foi dedicada principalmente à repetição da retórica sul-americana de integração regional. Voltou-se a falar da integração financeira e alguns ministros insistiram na ativação, no menor prazo possível, do Banco do Sul, "com vistas ao desenvolvimento mais harmônico, eqüitativo e integral da América do Sul". Como de hábito, os ministros da Venezuela e da Bolívia foram os que mais se empenharam na defesa desse objetivo. O Banco do Sul foi proposto inicialmente pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela, com apoio imediato do colega argentino Néstor Kirchner. O governo brasileiro resistiu à idéia no começo, mas acabou aderindo oficialmente. As discussões para formação do banco têm progredido com muita lentidão. Para o Brasil, não há interesse objetivo na constituição do Banco do Sul, mas o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nunca se dispôs a liquidar o assunto.
Sem competir com a proposta venezuelana de buscar punição para os especuladores internacionais, o governo brasileiro aproveitou a conferência para uma sugestão bem mais modesta, mas igualmente inócua: convocar o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc) para um debate sobre a reforma do sistema financeiro internacional.
Essa proposta não tem o mínimo sentido prático. Uma reunião do Ecosoc, mesmo em nível ministerial, não produziria mais que discursos típicos de assembléias estudantis. Foros muito mais conseqüentes, como o Grupo dos 8, o Grupo dos 20 e o Fundo Monetário Internacional, já incluíram o tema na agenda. Se alguma inovação importante ocorrer, será a partir desse esforço. Depois de quase seis anos de governo, Lula deveria saber disso.