Os avessos são o lado de dentro da costura. Determinam o nível de resistência da peça inteira. Se rompeu foi porque puxou demais, tem de consertar. E, para isso, é preciso revirar os avessos.
Desta vez, o conserto começou a vir do Estado, o mesmo que faltou enquanto o tecido era esgarçado. São os governos, tesouros e bancos centrais os que agora são chamados a intervir.
Ainda não dá para dizer que a crise foi contornada, porque são frágeis os sinais da economia americana, onde tudo começou. Mas os sensores já não detectam dados tão unanimemente negativos, como há algumas semanas. Ontem, por exemplo, o Departamento do Comércio americano apontou uma alta de 2,7% nas vendas de imóveis novos nos Estados Unidos em setembro. Esse número contrariou positivamente as expectativas que contavam com nova e acentuada queda.
A notícia deu pretexto para um ventinho de esperança de que o pior esteja sendo passado para trás, porque se baseou na lógica do jogo. Foi no segmento das hipotecas podres que a crise foi gerada e então começou a contaminação. Aí se vê uma primeira e inesperada reação, o conserto pode estar fazendo algum efeito.
Um a um os analistas vinham avisando que não haveria por que contar com a virada enquanto o mercado imobiliário continuasse descambando. Mas, se esse indicador já não aponta só para uma direção e começa a oscilar, dá para antever que há forças puxando para o outro lado.
A partir do momento em que perceber o mercado de imóveis reagindo, o mutuário, que antes estava determinado a desistir da casa cujo valor caiu abaixo do total financiado, contará até dez antes de devolver as chaves. E isso pode sustar tanto a denúncia das hipotecas pelos bancos como o leilão dos imóveis, fatores que vinham achatando os preços.
Mas o otimismo não foi longe. No final do dia, o medo da recessão voltou aos mercados.
Na versão brasileira, houve a lambança já sabida de alguma coisa que o mercado avalia em torno de US$ 50 bilhões, com derivativos de dólares cujo nome nem tradução tem para o português.
Trata-se do target forward, em que a empresa assumiu a obrigação de vender dólares ao banco no futuro por uma cotação que hoje é uma fração da atual. Ninguém imaginava a virada do câmbio e as apostas despencando no vazio. E não houve conserto senão a partir do momento em que o Banco Central pôs sobre a mesa o equivalente ao bolão falado, os tais US$ 50 bilhões, em títulos lastreados em dólares. Foi só então que o mercado sentiu novo chão. Tanto o perdedor pôde se refazer como o ganhador pressentiu que poderia não ganhar tudo o que imaginava. E o dólar retomou a trajetória de baixa, sem a tremenda carga de tensões que rolou nas semanas anteriores (veja o gráfico).
Nos dois últimos dias úteis, os principais bancos brasileiros trataram de abrir seus balanços para desfazer a boataria sobre a qualidade dos seus avessos. E nisso ajudam o Banco Central a baixar a tensão.
Mas, ninguém se iluda, ainda há muitos avessos a consertar para que os castigos não aumentem.
Afundou - Ontem os preços do petróleo chegaram aos níveis de 17 meses atrás. Fecharam em baixa de quase 3%. Os mercados se antecipam. Estão apostando agora na recessão e na queda do consumo. E vão se desfazendo dos seus estoques.