No curso de uma campanha eleitoral, nem sempre é fácil traçar as fronteiras entre a contundência das acusações plausíveis (embora não necessariamente verdadeiras) que os candidatos se fazem uns aos outros e as tentativas de desmoralização pessoal a que recorrem para desacreditar os oponentes - desacreditando com isso, pela enésima vez, a própria atividade política aos olhos da opinião pública. Mas é como disse certa vez o juiz Potter Stewart, da Suprema Corte dos Estados Unidos, sobre a obscenidade: "Eu não sei defini-la, mas sei o que é quando a vejo." E muito do que se tem visto ultimamente não deixa dúvidas sobre as ações politicamente obscenas a que se entregam com desenvoltura, quando não com naturalidade, diversos candidatos de diferentes partidos.
A justificativa para a apelação é a mesma em todos os casos: o eleitor tem o direito de conhecer "a verdade" sobre quem lhe pede o voto. Foi o que a ex-prefeita Marta alegou e tornou a alegar para justificar, afinal em vão, as torpes insinuações de sua propaganda sobre o estado civil de Kassab. E essa suposta verdade, mandam os manuais do vale-tudo, deve abranger não apenas uma seleta da trajetória de cada qual, as passagens de seu currículo de que, em retrospecto, ele não teria motivos para se orgulhar, os pontos vulneráveis de seu desempenho na esfera pública. Mas também aquelas suas idéias, crenças, atitudes e condutas que dizem respeito à vida privada do candidato - e, sobretudo, são manifestamente irrelevantes para o que dele se possa esperar no exercício de um mandato executivo.
Uma coisa e outra, menos ou mais dissimuladamente e sempre de forma torpe, têm sido associadas pelo candidato peemedebista à Prefeitura do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e os seus aliados para insinuar que o deputado Fernando Gabeira, do PV, não merece dirigir a cidade por seus presumíveis hábitos e convicções. Sucessivos panfletos apócrifos de grande tiragem o acusam de ser ateu, homossexual e usuário de drogas. Projetos de sua autoria sobre prostituição e corrupção de menores são deturpados para fazer crer que ele quer descriminalizar o rufianismo, o tráfico de mulheres e a exploração sexual de menores, configurando um claro crime eleitoral contra a honra do candidato. "O folheto parte de uma coisa real e cria uma mentira", rebate ele.
Às vezes, a baixaria se manifesta na linguagem usada pelos políticos e sua exploração pelo outro lado. Em Belo Horizonte, o programa de Márcio Lacerda, do PSB, apoiado pelo governador tucano Aécio Neves e pelo prefeito petista Fernando Pimentel, pôs no ar uma gravação em que o oponente Leonardo Quintão, do PMDB - num comício em outra cidade - concita o público a "chutar a b? deles". E este, por sua vez, equiparou Lacerda a um "avião do tráfico" por seu alegado envolvimento com o mensalão mineiro. Em Salvador, o próprio governador Jaques Wagner, do PT, entrou no circuito da baixaria ao chamar o prefeito peemedebista João Henrique, candidato à reeleição, de "covarde, mentiroso, traidor", depois que ele o chamou de "lerdo".
Estudiosos dos processos eleitorais sustentam que a falta de escrúpulos dos que rolam na sarjeta das campanhas é contraproducente. O eleitorado, em geral, tenderia a repudiar a troca de insultos por se sentir desprezado quando os políticos se ocupam uns dos outros, em vez de expor e comparar propostas - situações em que o eleitor acha que os candidatos se dirigem a ele.
Se assim é, resta saber por que tantos deles continuam agindo como se a única coisa feia numa eleição, como dizia o político pernambucano Agamenon Magalhães, fosse perder.