Pois é. Recentemente, Sarah abandonou esse tipo de comentário, mas a equipe da campanha republicana e até mesmo McCain continuam insistindo nessa mensagem: Algumas partes do país - e alguns americanos - são mais autênticos e "pró-EUA" do que outros.
Dias atrás, por exemplo, a assessora de McCain, Nancy Pfotenhauer, sugeriu que, embora a Virgínia do Norte possa ter-se tornado "mais democrata", "a Virgínia verdadeira" ("a parte do Estado cuja natureza é mais sulista") "responderá generosamente ao apelo de McCain". O deputado republicano Robin Hayes, da Carolina do Norte, chegou a dizer num comício de McCain: "Os liberais odeiam os verdadeiros americanos que trabalham, que realizam, que cumprem, que acreditam em Deus."
Hayes, como Sarah, posteriormente abjurou seus comentários. Mas em seguida, no oeste da Pensilvânia - uma das poucas partes do Estado em que Barack Obama não tem nítida vantagem -, McCain fez um discurso parecido: " Essa é a parte dos EUA que mais ama a Deus, a mais patriótica", disse.
A retórica e os símbolos republicanos não são difíceis de desvendar: Há os EUA que poderão votar em Obama (uma parte suspeita do país, povoada por liberais com a moral típica das grandes cidades, e, indubitavelmente, pele escura), e há os "verdadeiros" EUA, onde as pessoas moram em cidadezinhas, acreditam em Deus e na pátria, e são ... ahn, brancas.
Tal retórica não é uma novidade. Mas a cada ano que passa, os EUA "autênticos" do mito republicano assemelham-se cada vez menos aos EUA da maior parte da população do país. Cerca de 80% dos americanos vivem em áreas metropolitanas e não em cidadezinhas. Hoje um terço pertence a minorias étnicas e raciais e esse percentual está crescendo.
Ainda, embora 88% dos americanos acreditem em Deus, 70% acham que as outras religiões constituem caminhos igualmente válidos para chegar à revelação. E embora 59% dos americanos achem que usar um broche com a bandeira americana é uma forma decente de mostrar seu patriotismo, um número maior (66%) acha que protestar contra políticas de seu governo às quais se opõe também é ser patriota. Por fim, mais da metade dos americanos diz que prefere o Partido Democrata ao Republicano.
Considerando tudo isto, por que a equipe de McCain e Sarah insiste em dizer que os EUA onde vive a maioria do eleitorado não são "autênticos"? Há algum tempo, o Partido Republicano tem perdido o sentido da verdade. "Quando agimos, criamos nossa própria verdade", disse um "assessor sênior de Bush" (supostamente Karl Rove) a um jornalista, em 2002.
É preciso saber disso para entender a convicção do ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld - compartilhada por McCain - de que os americanos seriam "saudados como libertadores" no Iraque. Para os republicanos, o Iraque que se revoltou contra a ocupação não era o "verdadeiro" Iraque.
Estamos vendo a mesma patologia na campanha de McCain e Sarah. Ambos olham para os EUA e vêem o que gostariam que existisse ali (e não o que existe de fato): uma América na qual eles serão saudados como os libertadores e os justos herdeiros do manto da liderança. Afinal, os EUA têm sido governados por anglo-saxões brancos por mais de dois séculos e, durante a maior parte dos últimos 40 anos, por republicanos. Mudar isso é quase impensável. Então a equipe de McCain elimina a parte inconveniente dos EUA - a que não é verdadeira, não pode ser real.
Não deixo de sentir pena deles. Apesar da raiva e da retórica do "nós contra eles", há nos comícios de McCain uma palpável sensação de deslocamento: a ansiedade dos que percebem que as coisas estão escapando do seu controle, que o mundo está mudando depressa demais e de forma desconfortável.
Mas sempre foi assim. Nossa cultura foi construída por sucessivas levas de imigração e moldada por guerras, levantes sociais e crises econômicas. Cada onda de mudanças foi penosa para os que estavam acostumados ao seu status quo - mas também nos tornou uma nação mais rica e mais forte.
Esses são os verdadeiros EUA: uma terra de mudanças e de perpétua renovação. E é isto que devemos defender.
*Rosa Brooks, especialista em Direito, escreveu para ?The Washington Post