NOVA YORK. Somente um milagre para livrar o republicano John McCain de uma derrota consagradora nas urnas em novembro. Com 14 pontos percentuais de vantagem, dianteira que só fez aumentar de um mês para cá, quando o primeiro sinal da crise surgiu com a quebra do Lehman Brothers, Barack Obama está em uma zona de conforto que o livra da margem de erro das pesquisas e também do “efeito Bradley”, a diferença que aparece nas urnas, devido ao racismo, entre o voto declarado antes da eleição e o voto dado na cabine eleitoral.
O nome deve-se ao prefeito de Los Angeles, Tom Bradley, um negro que se candidatou ao governo da Califórnia em 1982 e perdeu surpreendentemente, depois de aparecer como líder das pesquisas durante toda a campanha. Um estudo da Universidade de Stanford mostrou que existe uma diferença de até seis pontos percentuais das pesquisas para as urnas quando um candidato negro está na disputa.
Há quem considere que hoje em dia já não existe essa marca tão forte no eleitorado médio americano, mas, antes da crise econômica ficar tão explícita, a dificuldade para Obama abrir uma dianteira sobre McCain foi atribuída por muitos analistas ao racismo, travestido de críticas à falta de experiência ou à ingenuidade de do democrata.
Para desespero dos republicanos, seus marqueteiros políticos estão constatando que as diversas táticas de ataque ao democrata não estão dando certo porque o eleitor está com sua atenção voltada para a crise econômica, não dando muita atenção à campanha política propriamente dita.
De acordo com essas análises, esta eleição presidencial, em que o assunto principal não é a disputa em si, se parece com as quatro vencidas sucessivam e n t e p e l o d e m o c r a t a Franklin Roosevelt, que tiveram como pano de fundo a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.
Também hoje, com a crise econômica e a perspectiva de uma recessão internacional que trará falências e desempregos, os eleitores estão preocupados mais pragmaticamente com seu próprio futuro.
O fator ideológico, ou mesmo a desconfiança sobre a capacidade de Obama, está dando lugar a uma necessidade de mudar o comando da Casa Branca, e o candidato democrata é a alternativa visível.
Por essa razão as campanhas de “desconstrução” de Obama não têm dado certo. As esperanças de McCain estão depositadas em algum fato novo que venha a surgir no cenário internacional, a chamada “surpresa de outubro”, ou então em uma estabilização da crise econômica, que permita ao eleitor focar em outros temas.
Como o dia de ontem demonstrou, é bastante remota a chance de acontecer uma estabilização no sistema financeiro nos próximos dias. E uma das razões seria justamente a falta de definição sobre o comando da economia dos Estados Unidos nos próximos anos.
A definição do próximo presidente, e sua capacidade de liderar um processo de recuperação da economia americana, é um dos fatores essenciais para a regularização dos mercados financeiros. A escolha do próximo secretário do Tesouro, por exemplo, será crucial nessa perspectiva de futuro.
Para se prevenir de surpresas, e também para tentar reverter a situação eleitoral em estados tradicionalmente republicanos, o que já está conseguindo, a campanha de Obama vem fazendo, desde que ele foi indicado oficialmente candidato a presidente, um forte trabalho de alistamento de eleitores novos.
Caravanas de jovens estão se alistando em estados onde geralmente os republicanos vencem, e muitos se mudaram para fazer um trabalho político a favor de Barack Obama.
Existem muitos voluntários que trabalham nessa campanha, e uma das organizações empenhadas em aumentar o número de eleitores no país é a Acorn, sigla em inglês para uma associação de organizações comunitárias para reformas agora, uma ONG que atua com bastante agressividade em atividades sociais para famílias de baixa renda, focando especialmente problemas de moradia, segurança e saúde.
A associação tem mais de 350 mil membros e atua em mais de cem cidades dos Estados Unidos, tendo atividades em outros países também, e é considerada um foco de política radical pelos republicanos, que a acusam desde de 2.000 de fraudar o alistamento de eleitores.
Até agora a Acorn conseguiu alistar cerca de 1,3 milhão de eleitores por todos os Estados Unidos, e a campanha de McCain a acusa de estar promovendo fraudes com o registro de eleitores fantasmas em diversos estados. Um dos casos de destaque foi a descoberta de um eleitor que se alistou com o nome de Mickey Mouse.
O que está sendo apontado como prova de fraude pelos adversários é tido pela ONG como uma demonstração de que existe uma campanha difamatória em curso.
A Acorn alega que se quisesse fazer uma fraude, não colocaria em risco sua ação com um registro como esse.
Além de ser muito ligada aos democratas, a Acorn é vinculada diretamente ao candidato Barack Obama, que foi seu conselheiro em Illinois. A campanha do democrata encaminhou de seu fundo perto de US$ 800 mil para financiar seu trabalho de alistamento eleitoral, que agora está sendo questionado na Justiça pelos republicanos, e investigado pelo FBI em onze estados.
Essa é uma das últimas cartadas dos republicanos, criar um clima de denúncia que permita, caso a eleição venha a ser apertada, colocar um eventual resultado a favor de Obama sob suspeita de fraude. Mas nada indica até o momento que o resultado será apertado.
E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br
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