E convém lembrar que, para a reconhecida associação dos Alcoólicos Anônimos, recaída é parte do processo de recuperação.
Outro jeito é entender que depois da tempestade vem a enchente. Em princípio, não há mais lugar para o pânico de sexta-feira pois, ao recapitalizar os bancos e atuar diretamente na desobstrução dos canais de crédito, as autoridades do mundo inteiro intervieram no coração da crise.
Mas há ainda a dolorosa queda na realidade. Como terça-feira advertiu o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, uma forte recessão está contratada nos países centrais. A partir de agora, a encomenda começa a chegar ao destinatário.
Ontem, ao se depararem com novos sinais de que a recessão está às portas, os mercados voltaram a fugir das aplicações de risco e a procurar os refúgios de sempre.
O dado mais expressivo foi o que apontou uma queda nos Estados Unidos de 1,2% das vendas no varejo em setembro, a maior desde setembro de 2002, data em que o Departamento do Comércio americano começou a calcular o indicador. Mostra tanto a retração das compras do consumidor, que se acentua nas crises, como o estancamento do crédito.
O Livro Bege do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que apresenta oito vezes por ano uma radiografia da economia do país, também apontou para o enfraquecimento da atividade produtiva e da contratação de mão-de-obra.
Ontem, em pronunciamento feito no Clube de Economia de Nova York, o presidente do Fed, Ben Bernanke, advertiu que a normalização da economia não acontece de repente e que os mercados de crédito levarão um bom tempo para se descongelarem.
Ainda que possa ser prematuro afirmar que o pior já passou, já não sobram muitas dúvidas de que as autoridades estão agindo na direção certa, com instrumentos inéditos e muito poderosos. E, se vier a ser preciso mais, virá mais, porque a determinação é ir até as últimas conseqüências, sem muitas considerações para limites institucionais.
A propósito, ontem Bernanke chegou a usar um eufemismo. Disse que o Fed agiu nos limites da sua autoridade. Na verdade, não só o Fed, mas outros bancos centrais foram além. Levaram apenas em consideração a preservação da integridade do sistema financeiro e, na emergência, injetaram dinheiro até para dar liquidez a commercial papers (promissórias de empresas), operações que não podem ser identificadas como mecanismos de redesconto.
"Quando a estabilidade financeira está amplamente ameaçada, a intervenção para proteger o interesse público não é apenas justificada, mas deve ser colocada em prática vigorosamente (forcefully) e sem hesitação", definiu o presidente do Fed.
Mas a crise de confiança é tão forte que até mesmo os que não podem ou não têm razões para desacreditar na ação dos governos parecem já não acreditar neles.
CONFIRA
Foi e não foi - Esta coluna já observou que a maior barbeiragem das autoridades dos países ricos nessa crise foi ter deixado o Lehman Brothers quebrar.
E, de fato, o afundamento do Lehman no dia 15 do mês passado disparou uma crise global de pânico e foi o responsável imediato pela insolvência da maior seguradora dos Estados Unidos, a AIG.
Mas há outra forma de ver as coisas. É levar em conta que, não fosse a sua falência, não teria sido possível mobilizar os principais bancos centrais e tesouros nacionais para agir contra a crise. E talvez a solução estivesse muito mais distante.