Roubaram até a chave do céu
"Candidato Kassab: por que você tem vergonha de dizer que anda com o Maluf e com o Pitta?", pôs as mãos nas cadeiras, fez cara de debutante contrariada e acionou o pisca-pisca das pestanas Marta Suplicy no meio do debate na TV. "Eu ando com o Lula", foi em frente a edição vespertina da colegial do Sacre Coeur. "E tenho muito orgulho das pessoas com quem ando".
Pois não deveria, deixou de aconselhar o prefeito Gilberto Kassab, candidato do DEM. Cavalheiresco, limitou-se a repetir que se arrependeu de ter chefiado a secretaria municipal de Finanças na administração Celso Pitta, e registrou, de passagem, que a mulher de Delúbio Soares é a assessora de estimação da candidata do PT.
Um adversário menos clemente teria ido bem mais longe. Certamente perguntaria se Marta continua andando com o companheiro gatuno que, em 2003 e 2004, festejou a seu lado a passagem do ano. Também perguntaria se tem saudade das temporadas em que Delúbio e Mônica Valente se hospedaram na casa alugada no Guarujá por Marta e Luis Favre. Sim e sim, provavelmente diria a mulher que censura Kassab por ter andado em má companhia.
Ela anda sem remorsos com mensaleiros, sanguessugas, aloprados, estelionatários, punguistas – todas as tribos da nação dos aliados pecadores têm vaga no palanque. Tem passado os dias com Paulinho da Força, Professor Luizinho, José Genoíno, João Paulo Cunha, José Dirceu, Antonio Palocci. Tem passado os dias e as noites com Favre.
O Brasil parece do avesso. A favorita da bandidagem do presente censura, sem ficar ruborizada, equívocos passados do adversário. Até os alto-falantes nos caminhões sabem de que lado estão os malfeitores em geral e os corruptos em particular. Marta faz de conta que as vestais não caíram na vida. O Brasil parece virado do avesso.
E está mesmo, confirma a campanha no Rio. O segundo turno avisa que o errado repreende o certo, que isto agora é aquilo, que o claro tornou-se o escuro. Os honestos são condenados à danação eterna por pecadores que roubaram até a chave do céu. E será excomungado sem direito a recurso quem for apoiado por Cesar Maia.
"Candidato Gabeira: por que você se envergonha de estar junto com o prefeito?", franziu o cenho e fez cara de moço sisudo Eduardo Paes no meio do debate da TV. "Eu nunca aceitaria esse apoio", proclamou o político nascido, criado e amamentado no berçário do mentor que agora renega. Como Marta Suplicy, ele se orgulha do palanque que montou, também atulhado de figuras que, se a Justiça valesse para todos, o candidato do PMDB só conseguiria ver de perto em visitas à cadeia.
Até o meio da semana, faltavam poucos prontuários para que Paes se arriscasse a um processo judicial por formação de quadrilha ou bando. Na sexta-feira, já não faltava ninguém. A penúltima a chegar foi a vereadora eleita Clarissa Garotinho, a bordo de um veículo carregado de folhetos bandalhos. Na sexta, com a entrada oficial do PTdoB na aliança de Paes, chegou quem faltava. Carminha Jerominha saiu da cadeia diretamente para o bloco da folha corrida. Foi muito bem recebida pelo que há de pior nos partidos coligados. A turma inteira está liberada para pecar sem medo. O bispo licenciado Marcelo Crivella prometeu que todos vão ganhar um lote no paraíso.
O socorro que apressa a mortePara socorrer o prefeito Celso Daniel, Gilberto Carvalho virou primeiro-ministro de Santo André. O socorrido ganhou outro braço-direito, mas perdeu a vida: em janeiro de 2002, enquanto Carvalho botava a casa em ordem, Daniel foi seqüestrado e morto. Para socorrer a candidata Marta Suplicy, Carvalho, secretário de Lula desde 2003, assumiu o comando da campanha. A socorrida ganhou um general e um conselheiro trapalhão. Ao contrário de Daniel, Marta parece gozar de boa saúde. Mas a morte eleitoral vem aí. O enviado especial do PT nunca falha.
É nisso que dá brincar com postes
Adail Nunes da Silva ganhou as quatro eleições em que foi candidato a prefeito. Perdeu as quatro em que tentou fazer o sucessor. "Transferência de votos é uma coisa que não vai além dos parentes, dos amigos íntimos e dos que se comportam como integrantes de seita", dizia. Eleitores fiéis o procuravam durante a campanha para avisar que, se fosse ele o candidato, claro que poderia contar com seu apoio. Mas o nome na cédula era outro. "Se me queixasse", contava, "perderia um voto na eleição seguinte". Pelo visto, Aécio Neves e Fernando Pimentel não sabiam disso quando lançaram a candidatura de Márcio Lacerda a prefeito de Belo Horizonte.
O adversário do PMDB, Leonardo Quintão, sempre soube. Desde o começo da disputa, martela a ressalva que acabou mudando a direção dos ventos. "Se o candidato fosse o Aécio ou o Pimentel, até eu votaria neles", garante. "Mas o candidato é outro, e estou mais preparado". O resultado das urnas provará que só seria possível eleger um poste se todos os concorrentes atravessassem a campanha calados. Como são obrigados a falar, postes dizem o que pensam cabeças de concreto: nada. Quintão vai vencer sem ter feito um único ataque a Aécio e Pimentel, que terão de engolir a derrota sem queixas.
Nenhum deles é candidato.
Sem medo de ser medroso
O ministro Carlos Minc informou no fim de setembro que o Incra, graças à devastação comanda pela turma dos assentamentos, disputava a liderança do ranking dos destruidores da Floresta Amazônica. Assustado com a reação da companheirada, tirou o Incra da lista e ordenou ao Ibama que conferisse os dados até 20 de outubro. O prazo termina nesta segunda-feira. Minc, que já se rendeu corajosamente a Blairo Maggi e Mangabeira Unger, deverá capitular. É preciso muita valentia para tanta pusilanimidade. Mas o ministro nunca teve medo de ser covarde.
Craque da tapioca volta a driblar a lei
Com a mesma agilidade que exibe quando saca o cartão corporativo, o ministro do Esporte, Orlando Silva, fechou um contrato de R$ 6 milhões, sem licitação e no escurinho do gabinete, com uma certa Fields Comunicação Ltda. Até março, a empresa vai receber R$ 1 milhão por mês "para prestação de serviços de publicidade visando à candidatura do Rio de Janeiro às Olimpíadas de 2016", informou o Diário Oficial . O Rio pode perder. Os contribuintes já perderam. Ganhou a Fields. Ninguém sabe o valor em tapiocas das cláusulas que não são escritas, só murmuradas.