Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2008

VEJA Entrevista: Edwin Aldrin Hora de voltar à Lua


E, depois, de colonizar Marte. É o que propõe um
dos primeiros homens a pisar na superfície lunar


Marcelo Marthe

Amy Sussman/Getty Images

"Se chegar à Lua foi uma façanha magnífica, o que encontramos por lá não foi particularmente atraente. Foi desolador encarar o vazio daquele céu negro"

O americano Edwin Aldrin, de 78 anos, é um dos maiores heróis da exploração espacial. Em 20 de julho de 1969, ele e seu colega Neil Armstrong tornaram-se os primeiros homens a pisar na Lua. Comandante da missão Apollo 11, Armstrong saiu da nave minutos antes e proferiu a frase que imortalizaria a conquista: "É um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade". Isso não impediu que Aldrin seja hoje tão lembrado quanto ele (e bem mais que o terceiro integrante da missão, Michael Collins, que não chegou a descer na Lua). Aldrin prega a idéia de que, mais que estudar o espaço, o homem deve aventurar-se nele. É entusiasta da colonização de Marte e do turismo espacial promovido por empresas privadas – temas sobre os quais tem idéias engenhosas, embora polêmicas. Numa autobiografia de 1975, falou da espiral de alcoolismo e depressão em que entrou depois de se ver transformado em herói. "Buzz", como é conhecido, escreveu vários outros livros e foi homenageado no filme Toy Story. Por ocasião do lançamento de uma série de TV sobre os cinqüenta anos da Nasa (que estréia no domingo 6, às 21h, no canal Discovery), ele falou a VEJA por telefone, de seu escritório em Los Angeles.

Veja – Ao pisar na Lua, o senhor disse que observava uma "magnífica desolação". Como interpretar essa frase?
Aldrin – Para muita gente, minhas palavras contrastaram com o otimismo de meu colega Neil Armstrong, que sem dúvida produziu o grande registro histórico de nossa conquista ao dizer que a viagem representava um pequeno passo para um homem, mas um avanço tremendo para a humanidade. O que eu quis dizer foi justamente que, se chegar à Lua havia sido uma façanha magnífica, o que encontramos por lá, em si, não era particularmente atraente. Foi desolador encarar o vazio daquele céu negro, da total ausência de ar e de vida, aquela poeira cinzenta.

Veja – Mas isso não foi exatamente uma surpresa...
Aldrin – Não, é claro. Nosso aprendizado sobre a Lua começou bem antes da viagem, a partir das fotografias que tiramos por meio da sonda Ranger, que enviou imagens de lá antes de se espatifar em seu solo. Os robôs do projeto Surveyor também já haviam alunissado e feito testes na superfície. Para não falar dos radares que colheram uma infinidade de dados. Por isso, ao chegar à Lua sabíamos em detalhes o que iríamos encontrar. Tivemos um susto no pouso, é verdade, pois houve problemas com o computador de bordo e chegamos com menos combustível do que gostaríamos. Mas não ficamos surpresos com nada. De qualquer forma, a visão que tivemos da Lua era impossível de ser recriada de antemão.

"Qualquer mudança de rumo malsucedida na Nasa pode significar anos de atraso. A passagem do projeto Apollo para o dos ônibus espaciais é exemplo disso. Foi um desvio daquilo que deveria ser o norte dos esforços americanos: um retorno à lua, enquanto nos preparamos para colonizar Marte"

Veja – Em 1972, a Nasa decretou o fim do programa Apollo, que permitiu a chegada do homem à Lua, e passou a investir nos ônibus espaciais. Qual sua opinião sobre os rumos do programa americano de exploração do espaço?
Aldrin – Reviravoltas nas prioridades da Nasa sempre são delicadas. Qualquer mudança de rumo malsucedida nos planos da agência pode significar anos de atraso. Acho que a passagem do projeto Apollo para o dos ônibus espaciais foi um exemplo disso. Depois das expedições lunares, tínhamos um excelente programa chamado Skylab, com uma grande estação espacial posta em órbita. Devíamos ter avançado nessa direção, em vez de apostar nossas fichas em algo tão complexo, caro e de resultado tão pouco satisfatório quanto os ônibus. É claro que eles possibilitaram alguns feitos importantes, como a instalação e mais tarde o reparo do telescópio Hubble no espaço, operações de grande complexidade, e o início da construção da Estação Espacial Internacional. Mas a era dos ônibus, a meu ver, representou um desvio daquilo que sempre deveria ter sido o norte dos esforços americanos no campo da exploração espacial.

Veja – Qual seria esse norte?
Aldrin – Para mim é mais do que óbvio: um retorno à Lua, enquanto nos preparamos para colonizar Marte.

Veja – Está longe o dia em que o homem pisará na superfície marciana?
Aldrin – É provável que façamos isso dentro de vinte ou trinta anos. Um projeto de tal envergadura, que envolve custos altíssimos, passa pela idéia de enviar pessoas para longas estadas. Os astronautas teriam de ficar pelo menos dez anos no planeta, se é que voltariam para a Terra.

Veja – O senhor apresentou à Nasa um plano para facilitar as viagens da Terra para Marte, que pressupõe a construção de uma nave imensa. Ela faria viagens contínuas entre os dois planetas. Como isso funcionaria?
Aldrin – Os sistemas necessários para enviar pessoas ao espaço e trazê-las de volta de forma segura são complicados e caros. Para chegar a Marte, precisaríamos de foguetes reutilizáveis, que não fossem destruídos durante o lançamento de uma nave e pudessem ser recondicionados ao chegar ao destino, para uso na viagem de volta. Se for possível ir e voltar continuamente da Terra para Marte, transportando grandes grupos de cada vez, teremos dado um passo e tanto na redução de despesas e complicações. Trabalhar com uma nave que pudesse transportar apenas de cinco a sete pessoas não seria produtivo, pois a tarefa de montar uma base para a colonização de Marte vai requerer muito mais gente. Provavelmente, seria preciso enviar ao planeta, apenas na primeira etapa, entre cinqüenta e setenta astronautas.

Veja – O senhor é um entusiasta do turismo espacial. Haverá um dia em que essas aventuras serão acessíveis aos mortais comuns?
Aldrin – Não àqueles que hoje nem sequer podem pagar por um vôo intercontinental, certamente. Será sempre caro viajar para longe da superfície da Terra. Para colocar uma nave com poucos tripulantes no espaço, consome-se uma quantidade de energia absurda, já que é preciso alcançar uma velocidade de mais de 27.000 quilômetros por hora. O próximo turista espacial subirá em outubro e desembolsará 35 milhões de dólares por um giro numa nave russa. Ele é o milionário Richard Garriott, filho de um ex-astronauta.

Veja – Como a entrada da iniciativa privada, defendida pelo senhor, pode impulsionar esse negócio?
Aldrin – Com soluções criativas. Há dez anos venho desenvolvendo um plano de mercado diferente, que emprega algumas das características da loteria. Ele permitiria que uma pessoa interessada em viajar para o espaço disputasse uma chance de realizar esse sonho por, digamos, não mais que 100 dólares. A lógica é simples: se 1 milhão de pessoas comprassem uma cota dessas, seria possível bancar a viagem de ao menos um felizardo, e ainda lucrar com isso. A minha proposta é que o ganhador não possa vender nem trocar o prêmio. Ou ele desfruta a oportunidade ou a perde.

Veja – Essa idéia tem chance de sair do papel?
Aldrin – Dentro de dois ou três anos, com algum otimismo, pretendo colocar meu serviço na praça. Poderemos começar com passeios suborbitais. Além disso, outras possibilidades – como vôos em aviões a altas altitudes – também deverão entrar no cardápio.

"Por ter ficado tão em evidência, a readaptação à vida normal foi um desafio. Depois que retornei da Lua, enfrentei uma separação dolorosa e tive um colapso nervoso. Abusei do álcool e passei por internações psiquiátricas. Estar no centro de um acontecimento tão grandioso fez aflorar minhas fraquezas"

Veja – Na autobiografia De Volta à Terra, o senhor revela o inferno pessoal em que mergulhou depois da viagem à Lua. A experiência abalou suas convicções?
Aldrin – Por ter ficado tão em evidência e me apegado à imagem de herói aclamado, a readaptação à vida normal foi um desafio para mim. Depois que retornei, enfrentei uma separação dolorosa e tive um colapso nervoso. Andei abusando do álcool e enfrentei internações psiquiátricas. Estar no centro de um acontecimento tão grandioso fez com que minhas fraquezas aflorassem. Por outro lado, a viagem reforçou minha espiritualidade. Embora não tenha sido anunciado publicamente, eu comunguei na Lua. E, desde então, minha espiritualidade foi ampliada muitas vezes. Hoje, acredito na ação de uma inteligência maior que resultou na criação do universo e guia a evolução da espécie humana.

Veja – Vamos descobrir vida em outros planetas?
Aldrin – Há muita probabilidade de que existam formas de vida fora da Terra, e sem dúvida é promissor que tenhamos descoberto água em Marte. Também existe a chance de encontrar vida em planetas que gravitam em torno de outras estrelas. Essa é uma das razões pelas quais devemos fixar a presença humana em algum lugar além da superfície da Terra. Para mim, está claro que esse lugar deve ser Marte.

Veja – A conquista da Lua deu aos americanos a vitória na corrida espacial com os soviéticos. Como essa disputa afetava a vida de um astronauta?
Aldrin – Não havia como ficar imune a seus efeitos. Como piloto de combate, eu tinha visto de perto o envolvimento soviético na Guerra da Coréia. Sabíamos que os russos tinham competência para disputar de igual para igual conosco e queriam chegar à Lua antes de nós. Um cosmonauta russo foi o primeiro homem a entrar em órbita e outro fez uma caminhada espacial antes de meu amigo Ed White fazer o mesmo na missão Gemini 4. Mas isso, felizmente, não nos deteve.

Veja – Havia algum tipo de amizade com os cosmonautas russos?
Aldrin – Sim. Apesar das rusgas entre as duas superpotências, estabelecemos relações cordiais com eles. Infelizmente, não vejo mais esse tipo de confraternização nem mesmo entre as pessoas mais antigas que participaram do programa espacial americano. Para mim, é decepcionante que tenha desaparecido o espírito de união. Vinte e quatro astronautas chegaram à Lua durante o programa Apollo, e doze deles tiveram a sorte de andar em sua superfície. No ano que vem, celebraremos o 40º aniversário da chegada do homem à Lua e poucos de nós ainda estarão vivos para celebrar o 50º aniversário do projeto Apollo, em 2011. É triste que não haja mais laços entre essas pessoas.

Veja – Há quem diga que a Nasa havia escalado o senhor para ser o primeiro homem a pisar na Lua. Isso é verdade ou lenda?
Aldrin – Posso garantir que é lenda. A decisão sobre quem o mundo veria saltando da nave primeiro foi tomada seis semanas antes da viagem. O comandante da missão, que tinha bem mais experiência como piloto, deveria realizar os simbólicos primeiros passos na Lua. Mas havia precedentes em contrário, é verdade. Nas primeiras saídas de naves em órbita, o comandante sempre permanecia do lado de dentro, na supervisão da missão, enquanto o co-piloto se aventurava no exterior. Foi assim até a Apollo 9.

Veja – É estranho, mas há gente que acredita que o homem não chegou à Lua. Que tudo não teria passado de uma empulhação. O que o senhor diria aos que propalam essa versão maluca?
Aldrin – Já cansei de ouvir essa bobagem. As evidências do sucesso da missão são cabais. Além disso, os competidores russos seriam os primeiros a gritar "falta!" se nós, seus adversários, incorrêssemos em fraude. Mas tudo bem. Muitas pessoas também exercem seu direito legítimo de alardear ter visto óvnis e outras coisas bizarras. Não vale a pena discutir com esse tipo de gente.

Veja – Viajar para o espaço envolve risco de vida. Como o senhor e seus colegas lidavam com isso num tempo em que os recursos tecnológicos eram bem mais precários?
Aldrin – Como o custo dos projetos da Nasa é alto, a segurança sempre foi o item número 1. O incêndio na Apollo 1, que matou três astronautas em 1967, nos perturbou tanto que tivemos de fazer mudanças no projeto das naves para garantir que não mais acontecessem problemas. Infelizmente, mesmo hoje, não é possível garantir o risco zero numa viagem dessa natureza. Quando partimos para a Lua, sabíamos que havia 40% de probabilidade de não conseguirmos chegar até lá. A de não voltarmos para casa girava em torno de 10%. Mas eu faria tudo de novo, sem hesitar.

Veja – O senhor conhece o programa espacial brasileiro?
Aldrin – O Brasil tem se destacado na produção de aviões, por meio da Embraer, e hoje detém tecnologia de ponta no desenvolvimento de combustíveis. Além disso, há a base de lançamento de Alcântara (no Maranhão). Estive lá numa visita recente ao país e me impressionei com suas potencialidades, pela proximidade privilegiada em relação ao Equador. Se souber coordenar esses recursos e abrir-se à exploração privada do espaço, o Brasil poderá obter uma posição vantajosa na área.

Veja – O senhor inspirou o personagem Buzz Lightyear, astronauta do desenho animado Toy Story, da Pixar. Como recebeu a homenagem?
Aldrin – Fiquei contente com a homenagem. Mas a exploração de meu nome não me rendeu nem um centavo.

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