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Jaraguá do Sul/SC
Figurino de desenvolvimento
Descendentes de europeus usam parte do lucro de
suas confecções para erguer uma cidade-modelo no Sul
Sérgio Martins
Fotos Lailson Santos |
Giuliano Donini: empurra a Marisol para o mercado de luxo e, ao mesmo tempo, emprega ex-presidiário em suas fábricas |
Jaraguá do Sul fica no nordeste de Santa Catarina, mas poderia estar na Europa. Na cidade, o índice de mortalidade infantil, 80% menor do que o brasileiro, é semelhante ao da Inglaterra. A taxa de analfabetismo beira zero, como na Suíça. A proporção de homicídios por habitante, um sexto da nacional, é parecida com a espanhola. As semelhanças não se restringem aos números. A influência européia é visível nos rostos brancos, nos cabelos loiros, na arquitetura, nas festas populares, nos pratos típicos e no motor de sua economia: a indústria têxtil. Imigrantes europeus, em especial os alemães, trouxeram os primeiros teares para Santa Catarina no fim do século XIX. No entorno de Jaraguá do Sul, pelo menos doze outras cidades dependem das tecelagens e confecções. A região é um exemplo acabado da capacidade do setor têxtil de melhorar o padrão de vida de uma comunidade, e nenhum caso é tão emblemático quanto o de Jaraguá do Sul.
Antes de ser um pólo têxtil, a cidade era um imenso arrozal. Jaraguá só se industrializou nos anos 60. Então, teares de fundo de quintal foram substituídos pelos maquinários de tecelagem e por confecções. A indústria nascente de Jaraguá se beneficiou do conhecimento técnico herdado dos europeus e da presença de uma ferrovia que liga a cidade ao porto de São Francisco do Sul e a importantes centros consumidores. Muitos agricultores migraram para a cidade a fim de trabalhar nas tecelagens. Para eles, as fábricas serviram como porta de entrada na classe média, processo semelhante ao que ocorreu em outros lugares do mundo nos quais a indústria têxtil prosperou. Os antigos arrozeiros passaram a ganhar mais, dispensaram seus filhos do trabalho e os mantiveram por mais tempo na escola. O equilíbrio econômico de Jaraguá foi abalado nos anos 90, quando o país abriu o mercado para os produtos estrangeiros. Para sobreviver, as tecelagens precisaram se modernizar. Desde 2000, as empresas locais se reorganizaram, cada uma a seu modo. Hoje, esse setor responde por 22% do PIB da cidade e ajuda a fazer de Jaraguá uma das cinqüenta cidades brasileiras com maior oferta de emprego. Um levantamento feito por VEJA mostra que, nesta década, o município foi o que melhor conseguiu combinar os desenvolvimentos econômico, populacional e social.
Operária na indústria Zanotti: aberta nos anos 80 por um executivo incomodado com a freqüente escassez de elástico, a empresa é hoje a maior do Ocidente em seu setor |
A Malwee sobressai entre as indústrias que melhor se reciclaram. A empresa foi fundada em 1906 como uma fábrica de laticínios. Carregava, então, o nome da família de alemães que a criou, Weege, que só descobriu sua vocação têxtil há quarenta anos. Mudou o nome para Malwee, contração de Malharias Weege. Depois que a concorrência chinesa nocauteou seu negócio, o grupo passou a investir no mercado interno e em produtos para as classes C e D. Hoje, a Malwee produz 36 milhões de peças ao ano e emprega 6 000 pessoas. O grupo passou a investir na qualificação de seus funcionários. Pagou, por exemplo, parte do curso de administração e do MBA da ex-bordadeira Deise Kotchella. Depois de formada, ela foi promovida ao setor de marketing. "Como esses cursos são caros, eu jamais teria condições de fazê-los sem a ajuda da Malwee", diz. A relação secular da empresa com Jaraguá produziu bons dividendos para a cidade. Há trinta anos, a companhia transformou uma área de 1,5 milhão de metros quadrados em parque, equipou-o com dezessete lagos artificiais, museu, churrasqueiras e quadras esportivas e abriu seu acesso ao público. Desde o ano passado, a Malwee passou a patrocinar um festival de música clássica e doou quatro harpas e um piano de cauda para um evento.
Enquanto a Malwee apostou nas classes emergentes, a Marisol, outra importante empresa têxtil local, resolveu focar a clientela mais rica. Nos anos 90, seu negócio produzia peças de baixo valor agregado. Desde 2000, passou a investir em design e em grifes renomadas. Para coordenar essa guinada, o grupo até trocou de comando. Filho de Vicente Donini, o fundador da empresa, o arquiteto Giuliano Donini, de 33 anos, assumiu o comando. Em 2005, a Marisol comprou a grife Pakalolo e, no ano seguinte, a Rosa Chá. No mesmo ano, inaugurou uma loja em Milão, vizinha à da Prada e à da Dolce&Gabbana. Melhor das pernas, a empresa passou a investir em um programa de reintegração social de ex-presidiários, fornecendo emprego a eles. Experiências assim já são uma tradição em Jaraguá. Há vinte anos suas escolas públicas mantêm um educador para cada grupo de oito crianças. O programa foi custeado, em parte, pelas empresas locais. No fim dos anos 90, as tecelagens instalaram uma UTI infantil e um banco de sangue no hospital municipal. Iniciativas como essas mostram o empenho do empresariado local em constituir um tecido social mais homogêneo e resistente.