Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 19, 2008

A República dos espantos-Ruy Fabiano

blog do Noblat 18/7

A República dos espantos

Em meio às turbulências do caso Daniel Dantas, uma frase foi repetida diversas vezes, sem que a ela se desse a devida importância ou o indispensável tom de espanto: "Ninguém controla a Polícia Federal". Já fora dita em outras ocasiões, o que só a agrava.

Parlamentares, juristas e jornalistas a proferiram com algum enfado, a título meramente informativo, como quem diagnostica uma gripe. Esse, digamos, detalhe é, no entanto, tudo. Um órgão do Estado que foge ao controle do Estado. Acostumamo-nos com isso.

Constatou-se também que o delegado encarregado do caso, Protógenes Queiroz, negou-se a transmitir seu conteúdo a seus superiores hierárquicos, temendo (e alegando) vazamentos. Ou seja: uma polícia que não confia em si mesma. Pior: em que o subordinado desconfia do superior, declara isso e fica por isso mesmo.

Continua subordinado e o outro superior. Acostumamo-nos também com isso. Imagine-se um capitão que recusasse informações ao coronel ou ao general, alegando questões de confiança. Uma instituição armada sem hierarquia rígida é fator de insegurança pública. No mínimo. Quem a controlará?

Outro ponto delicado, visto também com naturalidade, não obstante sua patologia, é a partidarização da Polícia Federal. Os analistas das sucessivas operações que fisgaram (e a seguir libertaram) figurões constataram que há a PF do PT e a PF do PSDB.

Os atuais dirigentes, indicados pela gestão Lula, teriam contra si os dirigentes anteriores, que exerceram comando na gestão FHC. Mesmo dentro do comando atual – e isso explicaria a insubordinação do delegado Protógenes Queiroz -, haveria facções que refletiriam a divisão de interesses no PT.

Há o PT de Tarso Genro, o de Dilma Roussef e o de José Dirceu, entre outros. Isso explica a fúria com que José Dirceu investiu contra a Operação Satiagraha e o silêncio de Dilma Roussef em relação a ela, contrastando com a euforia com que o ministro Tarso Genro a saudou, proclamando-a como prova inconteste de que a impunidade dos ricos havia chegado ao fim.

Ao que parece, não chegou, pois todos já estão soltos e os delegados que conduziam o inquérito destituídos. A explicação oficial, de que saíram por razões de rotina funcional (o dr. Protógenes vai fazer um curso de reciclagem), foi tão primária que o próprio presidente Lula se queixou-se dela, pedindo providências para que o delegado viesse a público declarar que deixara o inquérito por vontade própria. Como isso não é real, o delegado não cumpriu o ato coreográfico solicitado.

O governo então divulgou trecho da conversa gravada entre Protógenes e seus superiores acerca do tema. Só que, das três horas de conversa, o que se divulgou corresponde a três minutos, com frases descontextualizadas, que, mesmo assim, nada esclarecem.

A partidarização da PF resulta na investigação seletiva. Só os infratores adversários são incriminados. Os aliados são poupados. Onde estão os aloprados do falso dossiê eleitoral contra o PSDB? E o inquérito sobre o dossiê dos cartões corporativos contra dona Ruth e FHC? E por que, na presente investigação acerca dos tentáculos de Daniel Dantas, dentro e fora do governo, a ministra Dilma, citada no inquérito policial, não foi incomodada?

Fica a certeza de uma instituição vital do Estado fragilizada pelo desarranjo interno, fruto de inadmissíveis interferências políticas. Um dos subprodutos mais espantosos é a sem-cerimônia com que se usa o recurso do grampo, sobretudo do grampo ambiental, colocado nos escritórios de advocacia, que fere a lei, que garante sigilo entre o advogado e seu cliente e extrapola o âmbito do investigado, incluindo na bisbilhotagem pessoas alheias a ela.

A propósito, um mistério também negligenciado nos comentários sobre o caso: no telefonema gravado entre o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o advogado Luís Eduardo Greenhalg, quem estava sendo espionado? Se a resposta for Gilberto Carvalho, o caso é gravíssimo. Trata-se de grampo na ante-sala do Presidente da República, já que, como Lula mesmo disse, "quem me procurar vai ser atendido pelo Gilberto".

Ao que parece, porém, também a isso nos acostumamos.


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