Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 19, 2008

Oito pólos de economia sustentável

Os oito motores do desenvolvimento

Recursos naturais, mas também a indústria e grandes obras
de infra-estrutura, apontam uma nova rota de prosperidade
para o Brasil. VEJA foi conferir as cidades que souberam
converter surtos de riqueza em progresso social


Cláudio Gradilone e Victor De Martino

Leocaldas/Titular
Porto de Cabedelo, na Paraíba: Adriano Braz, de 18 anos, sonha em embarcar como marinheiro nos navios que usam o terminal. Alguns de seus amigos já foram contratados pelos moinhos e por outras empresas instaladas nas margens do cais


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Às 5 da manhã, milhares de operários em macacões de trabalho esperam o transporte para o porto e o distrito industrial de Suape, em Pernambuco. À sua volta, cortadores de cana, pescadores, biscateiros e comerciários da mesma região sonham com a possibilidade de somar-se a eles. No mesmo horário, os empregados de tecelagens e confecções catarinenses lotam as ruas de bicicletas. Como as fábricas têm três turnos, a cena se repetirá outras duas vezes até o fim do dia. A fluminense Quissamã aplica em educação os royalties que recebe do petróleo. Em Itacoatiara, no Amazonas, crianças vão de barco para as noventa escolas construídas nos últimos dois anos fora da área urbana. Nas franjas da floresta, o dinheiro da soja constrói os primeiros arranha-céus da região. Quem percorrer o Brasil deparará com cenas como essas, símbolos de uma década que tem tudo para ser lembrada como aquela em que o país se reconciliou com o crescimento econômico. O novo surto de riqueza passa freqüentemente ao largo das metrópoles, que se desenvolvem lentamente ou estão estagnadas. No interior, a situação é inversa. São fartos os exemplos de cidades que enriqueceram e melhoraram as condições de vida de seus habitantes em um salto. Na maioria dos casos, o progresso está relacionado a oito "motores" da economia brasileira: soja, cana-de-açúcar, carnes, petróleo, extração mineral, obras de infra-estrutura, e as indústrias têxtil e automobilística.

VEJA dedicou os últimos seis meses a investigar esse novo ciclo de prosperidade. O trabalho começou com a análise de rankings de desenvolvimento econômico e demográfico. Foram identificados os 500 municípios com mais de 10 000 habitantes que registraram as maiores taxas de crescimento do produto interno bruto (PIB) e da população desde 2000. As mesmas cidades foram em seguida examinadas do ponto de vista da evolução de seus índices de escolarização e de criminalidade, do acesso à saúde, ao saneamento básico e à tecnologia. A questão seguinte era saber onde o afluxo de dinheiro havia redundado em avanços na qualidade de vida. A reportagem consultou demógrafos, geógrafos, economistas e institutos de pesquisa – além de fazer contato direto com a maioria dos municípios. Chegou-se, assim, a um grupo de 38 localidades espalhadas por quinze estados das cinco regiões do país. Uma equipe de oito repórteres e onze fotógrafos recebeu a incumbência de visitar essas cidades e averiguar se o enriquecimento havia se traduzido, de fato, em benefícios para a população.

Anderson Schneider
Jazida de ferro em Barão de Cocais, Minas Gerais: o metal, um dos esteios das exportações brasileiras, aqueceu a economia municipal e permitiu a construção de uma faculdade e de um shopping center

O olhar desses jornalistas complementou os dados estatísticos. Eles percorreram 45 000 quilômetros, para descobrir que catorze municípios não transferiram sua riqueza para as comunidades. Alguns desperdiçaram o dinheiro em obras inúteis. Outros, em programas populistas. Há ainda aqueles em que os empresários e as empresas transferiram todos os lucros de sua atividade para cidades distantes, onde vivem ou mantêm suas sedes. Coari, no Amazonas, é um desses casos. Sua arrecadação cresce rapidamente impulsionada pelos royalties que a Petrobras paga para explorar sua jazida de gás natural. Apesar de endinheirada, a prefeitura não adotou medidas para estimular a economia. Não atraiu um investimento sequer. Gastou o dinheiro extra na construção de sete ginásios esportivos. Boa parte da população continua desempregada e vivendo em favelas. Os habitantes de Marabá, no Pará, tampouco colheram frutos do surto atual de riqueza. Seus pastos alimentam um dos maiores rebanhos de gado do país, mas os habitantes continuam miseráveis. A cidade vive seu quarto ciclo econômico. Já passou por borracha, castanha e ouro. Nessas três oportunidades, limitou-se ao extrativismo, permitindo que os produtos fossem enviados para beneficiamento em outros lugares. Até agora, não dá sinais de que saberá aproveitar melhor o gado. Como moram em Belém e no Sudeste, os pecuaristas não mantêm o dinheiro lá.

Cristiano Mariz
Usina de açúcar e álcool em Goianésia, Goiás: a empresa Jalles Machado responde por 60% da economia da cidade, que dobrou de tamanho nesta década e se tornou uma das maiores geradoras de emprego do Centro-Oeste

Os municípios retratados nas próximas páginas encontraram caminhos para o progresso social. Neles, o pleno emprego é regra. Eles dispõem de serviços que antes eram restritos aos grandes centros urbanos, como boas escolas, universidades e hospitais. Alguns possuem cinemas e teatros. São exemplos perfeitos do processo de interiorização que a economia brasileira atravessa. Nesta década, o PIB do interior cresceu 49%. O das metrópoles, 39%. Em dez anos, a indústria situada nas metrópoles cortou 5% dos postos de trabalho. Nas cidades menores, o emprego industrial subiu 30%. A pulverização econômica pode ser observada dentro dos estados e entre as regiões do país. A população do Norte e do Centro-Oeste cresceu duas vezes mais que a das outras regiões justamente porque ali foram criados mais empregos. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que em décadas passadas atraíram migrantes, hoje são exportadores de pessoas. Entre os destinos preferidos, só Santa Catarina pertence ao "Sul Maravilha" (que é como o Sudeste e o Sul eram chamados nos anos 70). Agora, o apelo vem de Goiás, de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. No passado, os migrantes preferiam as capitais. Hoje, acorrem para cidades com menos de 500.000 habitantes. "A razão dessa mudança é que já há cidades médias com comércio e serviços comparáveis aos das capitais de anos atrás", diz o economista Paulo Haddad.

André Valentim
A estudante Tatiana de Oliveira, de 20 anos: filha de cortadores de cana, cursa engenharia com bolsa oferecida pela cidade fluminense de Quissamã. O município aplica na educação os royalties que recebe por suas jazidas de petróleo. Depois de formada, Tatiana pretende trabalhar na construção civil local

Em alguns casos, a qualidade de vida do interior é melhor do que nas metrópoles. Na capital de São Paulo, vive-se menos do que em 381 municípios do estado. O mesmo acontece em relação a Belo Horizonte e 100 outras cidades mineiras. Nada menos que 440 municípios do interior têm uma educação pública melhor do que a de Curitiba, a capital mais bem posicionada em escala nacional. O ranking das escolas públicas traz dados semelhantes. Apenas cinco das trinta melhores estão situadas em capitais. "É um sinal do desenvolvimento rápido da educação no Norte e no Centro-Oeste. O ensino básico do Tocantins, por exemplo, já é o sexto melhor do país", diz o educador Claudio de Moura Castro. Segundo ele, essa situação começa, agora, a se reproduzir nas faculdades. Os levantamentos do Ministério da Educação mostram, por exemplo, que Caruaru, no interior de Pernambuco, sedia um dos melhores cursos do país de odontologia.

Manoel Marques
Sul de Rondônia, uma das novas fronteiras do gado: os rebanhos se espalham por sete municípios em volta de Vilhena, que fornece serviços para as cidades vizinhas e abrigará o maior frigorífico da região

Muitas sementes do progresso que está sendo colhido agora foram plantadas nos anos 60. Algumas remontam às iniciativas de Brasília de cultivar o cerrado e de ocupar a Amazônia, política reforçada pelos governos militares, que pretendiam povoar áreas remotas para melhor defendê-la de eventuais invasores. "A idéia era distribuir propriedades no Norte a agricultores empobrecidos ou sem terra do Sul", lembra João Paulo dos Reis Veloso, ministro do Planejamento entre 1969 e 1979. A política estatal e o espírito desbravador dos sulistas frutificaram com o surgimento de variedades de soja adaptadas às condições do cerrado. Essa lavoura germinou de forma complementar ou em substituição à pecuária. Também neste caso as amplas extensões de terra e vantagens naturais do país foram decisivas. Antes, porém, foi necessário encontrar uma raça de gado adaptável ao Brasil, o zebu indiano, e melhorá-la geneticamente. Paulistas redescobriram o potencial da cana no Centro-Sul. A indústria automotiva iniciou um novo ciclo de expansão fora de São Paulo. Devastado pela concorrência dos asiáticos nos anos 90, o setor têxtil conseguiu se reerguer em várias regiões do país graças à eficiência de alguns empresários. "Essas são competências naturais do Brasil, e o mundo precisa delas", diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Assim como a soja, a pecuária, a cana e os tecidos, a exploração de petróleo, a indústria do ferro e do aço se desenvolveram ao largo das metrópoles. O mesmo aconteceu com a infra-estrutura e os portos. Os antigos terminais, em torno dos quais se expandiram muitas das atuais metrópoles, estão atravancados. Os cais onde o movimento de carga cresce mais se situam fora dos grandes centros urbanos. Os oito motores do crescimento empurraram a economia país adentro. Pioneiros e desbravadores seguiram – e ainda seguem – para os municípios do interior. "A população nunca esteve tão bem distribuída no território nacional quanto hoje", diz o geógrafo Glauco Umbelino. As reportagens deste especial não se detêm sobre as várias cidades que sucumbiram às mazelas do país. Em suas viagens, os jornalistas de VEJA se debruçaram sobre um Brasil ainda pouco conhecido – mas do qual vêm muitas boas notícias para o país.

Com reportagem de José Edward




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