Como a informalidade – e até o aquecimento global – está
levando as vendas do acessório a despencar
Nenhum item do vestuário masculino é tão associado ao status como a gravata. Desde o século XVII, quando os nobres franceses começaram a ostentar uma espécie de lenço à altura do pescoço que foi o precursor da peça usada pelos homens de negócios da atualidade, ela é vista como símbolo de distinção e poder. Mas esse reinado se encontra sob amea-ça. As estatísticas mostram que a adesão à gravata nunca foi tão pequena – mesmo naqueles ambientes em que ela costumava ser obrigatória. Uma recente pesquisa feita pela consultoria Gallup World Poll constatou que o número de executivos americanos que usam a peça todos os dias é de apenas 6%. E os fabricantes não estão nada otimistas com relação ao futuro. A Associação de Acessórios para o Vestuário Masculino, que representa essa indústria há sessenta anos nos Estados Unidos, deverá fechar suas portas: as vendas do acessório despencaram 677 milhões de dólares entre março de 2007 e o mesmo mês de 2008. A gravata está na berlinda porque em diversos locais de trabalho ela hoje simboliza o inverso do que costumava simbolizar – e até porque passou a ser vista como uma vilã do aquecimento global.
Não é que a gravata tenha perdido subitamente seu valor na composição do visual masculino. Bem usada, ela continua a ser um diferencial de elegância tanto quanto, digamos, nos anos 50, quando o ator Cary Grant ostentava seus nós windsor impecáveis (igualar-se a ele é missão impossível: ninguém nunca usou terno e gravata como Grant). Há também o uso "fashion" da gravata. Modelos bem mais estreitos que os habituais dão um ar moderno a figurinos sóbrios – às vezes com nó frouxo e colarinho desabotoado. Se você estiver muito seguro do seu senso estético e da sua sintonia com as tendências do momento, pode também combinar a gravata fina com coletes, cardigãs ou jaquetas (mas não é fácil calibrar o visual). A ascensão do visual sem gravata tem menos a ver com moda e elegância do que com uma mudança crucial de comportamento. Diz Alberto Candellero, diretor da grife italiana Ermenegildo Zegna na América Latina: "A tendência à informalidade é mundial e reflete alterações na etiqueta do trabalho e no estilo de vida do homem".
John Kobal Foundation/Getty Image |
Cary Grant, que usava terno e gravata como ninguém: elegância ontem, hoje e sempre |
Em setores emergentes como as empresas de alta tecnologia e os modernos bancos de investimento, nos quais a inovação é mais importante do que a tradição, os sem-gravata é que estão com tudo. Eles são jovens para os quais dispensar o acessório é uma forma de afirmar a individualidade e se diferenciar da massa de trabalhadores da "velha economia". O visual em que se mirar já não é o de senhores sisudos como Rupert Murdoch, dono do conglomerado a que pertence a Fox. E sim o dos heróis sem-gravata da era da internet, como Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google. "A empresa vale bilhões de dólares e é comandada por dois rapazes na faixa dos 30 anos. Aqui, a gravata não faz a menor diferença", diz Deli Matsuo, diretor de recursos humanos do Google para a América Latina. Sob a ótica dessa geração, a gravata já não simboliza status, mas subserviência. Para o estilista brasileiro Ricardo Almeida, é preciso apenas preservar a medida do bom senso. "Esse novo profissional não deve confundir sua empresa com o mundo inteiro. Não dá para abrir mão da gravata em ocasiões formais", diz ele.
Outro símbolo do novo enfoque é o estilista americano Tom Ford. Antes apreciador de caras gravatas italianas, essa autoridade em moda masculina agora quase só é vista com o peito à mostra. Ford dispensou o acessório por achar que o gogó apertado era fonte de enxaqueca. E engrossa as fileiras dos que combatem a gravata como suposta causadora do aquecimento global. A tese é que executivos engravatados sentem mais calor e exigem que o ar-condicionado de sua empresa funcione em potência máxima – o que resulta em maiores emissões de gás carbônico. Há três anos, o ex-primeiro-ministro do Japão Junichiro Koizumi deflagrou uma campanha pela abolição da gravata nos escritórios daquele país (para dar o exemplo, ele foi trabalhar uma semana sem a peça). No ano passado, uma empresa de energia e infra-estrutura espanhola, a Acciona, resolveu aderir à idéia. Anunciou que, ao adotar essa medida em sua sede em Madri, na qual trabalham 600 pessoas, economizará o equivalente ao consumo de eletricidade anual de 29 famílias.
O triunfo dos sem-gravata é mais um passo num longo processo de despojamento do visual masculino. No auge do absolutismo, os homens com algum grau de distinção se empetecavam de forma radical. Os modelitos eram coloridos e espalhafatosos. Usavam-se perucas e até pó branco na face (às vezes, a maquiagem incluía também pintas artificiais). A gravata passou a integrar esse repertório no século XVII. Como a maioria dos acessórios masculinos, sua origem é militar. Os primeiros a usá-la foram os soldados do Exército da Croácia. "Esse detalhe de seu uniforme chamou a atenção dos aliados franceses durante a Guerra dos 30 Anos (iniciada em 1618), que acabaram por adotá-lo quando voltaram para casa", informa a professora de história da moda Patrícia Sant’Anna, da Universidade Anhembi Morumbi. Daí a explicação do nome: a palavra "gravata" nada mais é que uma corruptela de "croata". O acessório se tornaria popular pouco mais tarde, ao ser adotado pela corte do rei francês Luís XIV.
A gravata moderna nasceu no começo do século XIX, graças ao peculiar inglês Beau Brummell – o primeiro dândi, que causou uma revolução no modo de vestir masculino. O dandismo de Brummell nada tinha a ver com extravagância – era o contrário disso. Ele adotou cores sóbrias, de tons escuros, que davam realce às suas gravatas de nó elaboradíssimo. No livro Homens de Preto, o historiador John Harvey conta que Brummell gastava a maior parte da manhã buscando o nó perfeito. Ao deparar com uma pilha de gravatas amarrotadas pelo chão de seu quarto, os visitantes ouviam a seguinte explicação do criado: "Estes, senhor, são os nossos fracassos". A tradição iniciada por Brummell foi levada adiante por conterrâneos como o escritor Oscar Wilde. Eles legaram ao século XX a idéia de que a gravata era o ponto de destaque (a alma, por assim dizer) de uma vestimenta de resto discreta. Por décadas e décadas, ela foi a maneira sutil pela qual profissionais de cinza-escuro ou azul-marinho expressaram sua personalidade. Pode ter perdido uma fração do seu poder de impressionar no mundo dos negócios. Mas que agora a vejam como mero símbolo de conformidade é, com certeza, uma injustiça.
Os nós da questão
Como usar (ou não) a gravata em cada
situação do dia-a-dia – e os micos a evitar
Visual Clássico
Exemplo
O empresário Roberto Justus
Modelo das gravatas
Têm largura de 12 centímetros e cores neutras, com estampas clássicas como bolinhas e listras. Também se admitem as finas – mas só em tons sóbrios
Onde e quando usar
Em ambientes de trabalho ou em situações formais. Numa festa de casamento noturna, por exemplo, não hesite: use gravata
A gafe
Peças com motivos "irreverentes", como personagens de desenhos animados
Sem gravata
Exemplo
O ator George Clooney
Onde e quando usar
Nas empresas de tecnologia ou nos novos bancos de investimento. Se você for trabalhar no Google engravatado, pode ser confundido com um fiscal do imposto de renda
A gafe
Não pense que está autorizado a usar o colarinho aberto sempre, só porque na sua empresa é assim. Em qualquer situação que peça formalidade, tire a gravata do armário
Visual fashion
Exemplo
O ator Ashton Kutcher
Modelo das gravatas
Finas, com 7 centímetros de largura e cores chamativas, como rosa e lilás. Às vezes com nó mais solto e colarinho desabotoado. É mais difícil acertar o visual, mas elas podem funcionar também com coletes, jaquetas e cardigãs
Onde e quando usar
Em agências de publicidade ou empresas de design. Em qualquer ambiente que, mais que descontraído, pretenda ser moderninho
A gafe
Exagerar no restante da roupa – a não ser que você queira parecer um dândi
Fotos Gustavo Arrais, Ernesto Ruscio/Film Magic/Getty Images, Gustavo Arrais, Caio Guimaraes/Contigo