Do ponto de vista de política pública já era difícil para as autoridades federais justificar tal interesse. A constituição da nova empresa resultará numa forte concentração do mercado, o que reduzirá a concorrência no setor de telefonia, com prejuízos para os usuários. Mas o governo tem tanto interesse no negócio que se dispôs até mesmo a propor a mudança da legislação, criada para assegurar a competição entre as operadoras de telefonia e proteger o interesse do consumidor.
Mais difícil ainda é justificar, perante os contribuintes e os acionistas do Banco do Brasil, o uso de vultosos recursos de instituições oficiais para viabilizar financeiramente uma operação de fusão que não gerará empregos - sendo mais provável que resulte em cortes de postos de trabalho.
Na quarta-feira, a Oi (ex-Telemar) informou ao mercado ter obtido do Banco do Brasil empréstimo de R$ 4,3 bilhões para financiar a compra da Brasil Telecom. O prazo do empréstimo será de oito anos, ao custo equivalente à variação do certificado de depósito interfinanceiro (CDI) mais 1,30% ao ano.
O financiamento tem características que o tornam inédito entre as operações realizadas pelo Banco do Brasil. É o maior empréstimo já concedido pelo banco para um único tomador e seu valor supera o saldo total de empréstimos concedidos pela instituição para todo o setor de telecomunicações.
É o segundo grande empréstimo que a Oi obtém de instituições oficiais para concretizar o negócio do ponto de vista financeiro. O primeiro foi concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de R$ 2,57 bilhões, para os dois grupos controladores (Andrade Gutierrez e La Fonte, do empresário Carlos Jereissati) e para aumento de capital na reestruturação societária da empresa. Assim, de bancos estatais a Oi já conseguiu R$ 6,87 bilhões, o que corresponde a 62% do total de R$ 11 bilhões que deve pagar pela compra da Brasil Telecom.
É intrigante que instituições financeiras como o Banco do Brasil e o BNDES - cujas operações devem se basear em análises adequadas dos riscos - tenham aprovado essas operações em todas as instâncias, apesar de, nas condições atuais, a compra da Brasil Telecom pela Oi estar vedada pela legislação. A viabilidade do negócio depende de mudança do Plano Geral de Outorgas (PGO), que estabelece as regras para a atuação das empresas de telefonia e, na forma atual, impede que uma concessionária de telefonia compre outra que atue em região diferente.
A pedido do governo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) colocou em consulta pública a proposta de mudança desse dispositivo do Plano Geral de Outorgas. A consulta se estenderá até o dia 1º de agosto. Recolhidas as contribuições públicas, o conselho diretor da Anatel votará uma proposta de mudança e, se a aprovar, a enviará ao governo. Se concordar com ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixará decreto ratificando a alteração. Só então a compra da Brasil Telecom pela Oi será legalmente possível.
Há outros fatos intrigantes envolvendo a participação do governo nesse negócio. Parte do financiamento concedido com presteza por bancos oficiais à Oi será destinada a operações como "reestruturação societária", o que envolve a compra da participação de antigos sócios da Brasil Telecom. Entre eles está o Opportunity, de Daniel Dantas, que deverá receber cerca de R$ 1 bilhão.
Até o deputado petista Walter Pinheiro (BA) admite que a Operação Satiagraha, que levou Dantas duas vezes à prisão, "acende áreas de questionamento" do negócio. E "acende", principalmente, luz ofuscante sobre a promiscuidade entre o grande negócio e o governo.