Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 12, 2008

Inquérito frágil pode livrar a cara de Daniel Dantas

Dantas contra a parede

O banqueiro que esteve no centro dos maiores escândalos
de corrupção da última década foi preso duas vezes
em uma única semana. Ah, se ele contasse o que sabe!


Fernando Donasci/Folha Imagem
O banqueiro Daniel Dantas, na segunda vez em que foi preso, na semana passada: uma antologia de escândalos, das privatizações de FHC ao mensalão de Lula

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Cronologia: Os rolos de Daniel Dantas

Preso, solto, preso de novo, solto... Essa era na semana passada a vida do banqueiro Daniel Dantas, o peixe mais graúdo a cair nas malhas de uma operação da Polícia Federal batizada de Satiagraha, slogan do movimento popular de resistência pacífica com que o faquir Mahatma Gandhi liberou a Índia de três séculos de dominação britânica. Freqüentador assíduo do noticiário policial, foi a primeira vez, no entanto, que Dantas conheceu o xadrez. Dois de seus intermediários foram filmados enquanto ofereciam 1 milhão de dólares a um delegado da Polícia Federal. O banqueiro pretendia assim excluir seu nome e o de sua família de uma investigação sobre crimes financeiros que vão de gestão fraudulenta a evasão de divisas, passando pelo uso indevido de informações privilegiadas. Além do banqueiro, a operação prendeu mais dezesseis pessoas, suspeitas de integrar a quadrilha de Dantas ou de manter estreitas relações comerciais e financeiras com ela. O flagrante foi a única manobra de inequívoco brilho da Satiagraha, de resto uma operação mambembe (veja a reportagem seguinte).

Poucos homens de negócios representam com mais nitidez a natureza perversa do capitalismo brasileiro dependente do estado macrófago do que o banqueiro Daniel Dantas. Pelas mãos do ex-ministro Mario Henrique Simonsen, que o considerava seu aluno mais capaz, Dantas despontou há duas décadas como um jovem e astuto economista saído do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Durante as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, o banqueiro de origem baiana reinventou-se. À frente de seu próprio banco, o Opportunity, recebeu a bênção do governo para unir-se aos poderosos fundos de pensão de estatais, como Previ e Petros, formando uma espécie de parceria público-privada cujos efeitos desastrosos perduram até hoje. Dantas conseguiu do governo um mandato para ser o gestor dos recursos investidos por esses fundos em um conglomerado de empresas recém-privatizadas, que reunia desde a Santos Brasil, terminal portuário em Santos, até as operadoras de telecomunicações Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. A parceria funcionava desta forma: o governo entrava com o dinheiro e Dantas dava as cartas.


Wilton Junior/AE
Dantas (acima) e Naji Nahas: formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro
Eduardo Anizelli/Folha Imagem

Foi assim, como empresário privado de patrimônio público, que Dantas despontou como o mais astuto entre os inúmeros capitalistas brasileiros cujo sucesso se deve a privilégios oficiais obtidos pela bajulação e, principalmente, pela corrupção de autoridades de plantão. Ele é expoente entre os negociantes e sistemas empresariais que nunca se expuseram ao poder purificador da concorrência, que se escondem sob as asas estatais para fugir dos rigores da lei e do vento trazido pela abertura econômica. Nada sabem sobre inovação ou produtividade, os reais motores da criação de riqueza no sistema capitalista. Nessa condição, Dantas envolveu-se em praticamente todos os grandes escândalos de economia mista – estatal e privada – da última década no Brasil.

O primeiro deles, revelado por VEJA em 1998, mostrou grampos telefônicos em que o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e o então presidente do BNDES, André Lara Resende, discutiam formas de beneficiar Dantas na aquisição do melhor quinhão do leilão de privatização da Telebrás, a até então empresa monopolista de telecomunicações no país. Ambos saíram do governo depois das revelações de VEJA. Em 2004, já no governo Lula, descobriu-se que o banqueiro Daniel Dantas havia contratado a empresa de espionagem Kroll para bisbilhotar, ao espanto da lei, autoridades, jornalistas e juízes. Com isso, pretendia convencer o governo a manter sob seu controle os fundos de pensão estatais – o que conseguiu até 2006. Com o mesmo propósito, o de agradar, corromper e ameaçar o poder, o banqueiro destinou 152,4 milhões de reais para abastecer o duto do mensalão, esquema por meio do qual o governo comprava deputados da base aliada. Ainda pagou à Gamecorp, empresa de jogos eletrônicos do filho do presidente Lula, 100 000 reais mensais para fornecer conteúdo ao portal de internet da Brasil Telecom.


José Luis da Conceição/AE
Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo: um bagrinho pego por acaso no arrastão da PF

Entre os acusados na operação, também se destacam o empresário Naji Nahas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Ao lado de Dantas, Nahas teria montado um esquema de lavagem de dinheiro e de uso indevido de informações privilegiadas. Já Pitta foi pego acidentalmente nas investigações, grampeado enquanto pedia dinheiro aos doleiros e assessores do empresário libanês naturalizado brasileiro. Também estão na lista de investigados a irmã de Dantas, Verônica, um dos sócios dele, Carlos Rodenburg, e o ex-deputado federal petista Luiz Eduardo Greenhalgh. Detido em sua cobertura, no Rio de Janeiro, Dantas passou a semana toda entre a cadeia e a liberdade. No dia 8, foi levado para a carceragem da PF em São Paulo. No dia 10, pela manhã, conseguiu um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal e foi liberado. À tarde, a Justiça expediu novo mandado de prisão contra ele, depois que a polícia apresentou ao delegado provas adicionais da tentativa de corrupção. Enquanto o banqueiro voltava para a prisão, os outros acusados citados na Operação Satiagraha deixavam a cadeia, beneficiados, também eles, por habeas corpus apresentados ao STF. Dantas passou mais uma noite em cana até que, no fim da tarde de sexta-feira 11, seus advogados conseguiram que o STF expedisse um segundo habeas corpus em seu favor em apenas dois dias.

Dantas preso ou Dantas solto é assunto da Justiça. Mas Dantas calado ou Dantas contando tudo o que sabe é do interesse do Brasil. O ideal é que fale, que conte tudo o que sabe... Sua carreira e fortuna foram construídas inteiramente na zona de sombra gigantesca projetada pelo capitalismo de estado. Sem os favores de legisladores, de figuras-chave do Executivo e dos gestores das maiores fortunas líquidas do Brasil, os fundos de pensão de empresas estatais, empresários como Daniel Dantas não existiriam. No processo de formação de sua riqueza pessoal e do poder de seu grupo empresarial, o Opportunity, ele manipulou, corrompeu ou simplesmente se associou a dezenas de altas autoridades de diversos governos, em especial os de FHC e Lula. VEJA fez uma lista de vinte grandes escândalos recentes sobre os quais Daniel Dantas teria muito a dizer.

O outro implicado preso e solto logo, o financista Naji Nahas também detém informações do maior interesse para o Brasil e os brasileiros. Ele aparece em diversas investigações brasileiras e internacionais, acusado de ser um dos elos entre interesses privados e autoridades do governo Lula. No inquérito resultante da Operação Satiagraha, Nahas surge como um fanfarrão. Ora ele se gaba de sentar-se com o rei da Arábia Saudita para combinarem juntos o preço do petróleo, ora, na mais lisérgica das afirmações do inquérito policial, se vangloria de obter do presidente do Banco Mundial (sic) a informação sobre a taxa de juros a ser fixada pelo Fed, o banco central americano, vinte dias antes de sua divulgação. Isso é tão maluco quanto alguém ligar para o fabricante de guarda-chuvas para saber se vai chover no fim de semana. Mesmo assim, o delegado da Polícia Federal viu em Nahas um Deus ex machina do capitalismo financeiro planetário. Pena ele ter preferido se entreter com as fantasias em torno do personagem pois, no Brasil, há evidências de que Nahas tem mesmo mais poder do que lhe é atribuído. Em 2006, uma reportagem de VEJA revelou que a empresa Telecom Italia fez pelo menos um saque de 3,25 milhões de reais em nome de Nahas – personagem central da crise que abalou a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 1989. O pagamento foi feito em dinheiro vivo, em pacotes de 150 000 reais, sacados de uma agência do Bradesco em São Paulo. A transação foi confirmada pelas partes envolvidas. Nahas justificou ter recebido o dinheiro para ajudar a Telecom Italia a resolver pendências com o banco Opportunity, de Daniel Dantas. Ele não deu detalhes sobre que pendências foram essas. Está aí uma boa pergunta para fazer a Naji Nahas!

Meses depois, graças ao trabalho de promotores italianos, ficou-se sabendo que os 3,25 milhões de reais foram apenas uma fração modesta da pilha de dinheiro pago pela Telecom Italia. A Justiça italiana já sabe que Nahas recebeu 25,4 milhões de euros (euros sim, nem dólares nem reais, o que, pela cotação do período, somou uma avalanche de 80 milhões de reais). A maior parte dos pagamentos, de acordo com pessoas envolvidas nas investigações, ocorreu em 2002 e 2003. O motivo? Segundo as autoridades italianas, o dinheiro se destinava ao pagamento de propinas a políticos brasileiros situados em cargos-chave para assim obter o apoio deles na disputa que a Telecom Italia travava com o Opportunity de Dantas. Os delegados da PF, os procuradores federais e os juízes brasileiros, tão determinados em sua busca pela punição dos criminosos de colarinho branco e dos marajás da corrupção, não se preocuparam, no trabalho investigatório que culminou com as prisões de Nahas e Dantas, em apurar essas transações para lá de suspeitas. Não há a preocupação de identificar os destinatários dos 25,4 milhões de euros que os italianos remeteram para Nahas.

Na semana passada, Nélio Machado, o advogado de Dantas, questionou o fato de dirigentes do PT nunca serem presos nas diligências da Polícia Federal. Ele tem certa razão. Com a prisão do banqueiro e de Nahas, o combate à corrupção no país ganha uma dinâmica curiosa. Até o governo Lula, era lugar-comum criticar a parcialidade com a qual autoridades policiais perseguiam funcionários públicos corruptos e deixavam de lado seus corruptores, os tubarões. Dá-se agora o inverso. Os corruptores são presos sem que os corruptos apareçam. Cadê os corruptos?

20 questões que Daniel Dantas
ainda pode esclarecer

Ano 1997
Governo FHC
1. Privatizações

Otavio Magalhães/AE
Privatizações: o governo entrou com o dinheiro, e Dantas ficou com o controle

O que ocorreu: Daniel Dantas foi incluído pelo governo no consórcio formado pelos fundos de pensão e pela CSN que saiu vitorioso do leilão da Vale do Rio Doce.
O que Dantas pode esclarecer: que argumentos convenceram Ricardo Sérgio, o então influente diretor do Banco do Brasil, a incluí-lo no consórcio.

Ano 1998
Governo FHC
2. Privatizações

O que ocorreu: grampos revelados por VEJA mostraram que o BNDES operou para favorecer o grupo Opportunity no leilão de privatização das teles.
O que Dantas pode esclarecer:
por que a diretoria do BNDES decidiu favorecê-lo.

Ano 1998
Governo FHC
3. Fundos de pensão de estatais

O que ocorreu: Dantas conseguiu que a Previ e outros fundos de pensão lhe entregassem o controle acionário da Brasil Telecom quando ele havia investido apenas 1% do capital usado na criação da empresa.
O que Dantas pode esclarecer: o que convenceu os diretores dos fundos de pensão a fechar esse acordo.

Ano 2002
Governo FHC
4. Fundos de pensão de estatais

O que ocorreu: alguns dias antes da intervenção do governo federal no comando da Previ, que destituiu diretores do fundo que se opunham a Dantas, o banqueiro teve um jantar reservado com o presidente Fernando Henrique Cardoso.
O que Dantas pode esclarecer: sobre o que os dois conversaram.

Ano 2002
Governo FHC
5. Transição para o governo do PT

O que ocorreu: na edição de 22 de outubro do jornal O Estado de Minas, Dantas publicou um texto quase em código revelando supostas ameaças e achaques praticados por integrantes do governo petista que assumiria.
O que Dantas pode esclarecer: qual a chave para entender o documento.

Ano 2002
Governo FHC
6. Transição para o governo do PT

Celso Junior/AE
Delúbio: ele procurou o banqueiro antes mesmo de Lula chegar ao Planalto

O que ocorreu: Dantas conversou longamente com o então coordenador da campanha presidencial de Lula, Antonio Palocci, e com o tesoureiro Delúbio Soares.
O que Dantas pode esclarecer: o que acertaram?

Celso Junior/AE
Roberto Teixeira: 1 milhão de reais para o compadre


Ano
2003
Governo Lula
7. Telefonia

O que ocorreu: por ordem de Dantas, a Brasil Telecom contratou o advogado Roberto Teixeira para prestar-lhe consultoria. Teixeira ganhou 1 milhão de reais no período.
O que Dantas pode esclarecer: que serviço o compadre de Lula prestou ao banqueiro.

Ano 2004
Governo Lula
8. Gamecorp

O que ocorreu: por meio da Brasil Telecom, Dantas pagou à Gamecorp, empresa de games do filho do presidente Lula, 100 000 reais mensais pelo fornecimento de conteúdo para o portal de internet da Brasil Telecom. A informação foi publicada por VEJA.
O que Dantas pode esclarecer: que outros pagamentos foram feitos ao filho do presidente.

Ano 2004
Governo Lula
9. Kroll

Lula Marques/Folha Imagem
Kakay: advogado de 8 milhões de reais

O que ocorreu: o jornal Folha de S.Paulo revelou um esquema de Dantas e da empresa de arapongagem Kroll para espionar o governo, jornalistas e empresários. A PF pôs-se atrás do banqueiro, que contratou o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, procurador informal do ex-ministro José Dirceu. Kakay levou 8,5 milhões de reais.
O que Dantas pode esclarecer: que serviços Kakay efetivamente prestou.

Ano 2004
Governo Lula
10. Telefonia

O que ocorreu: José Dirceu, então ministro-chefe da Casa Civil, subitamente passou a defender os interesses de Dantas junto ao governo.
O que Dantas pode esclarecer: a que se deveu a súbita simpatia de Dirceu por Dantas.

Ano 2004
Governo Lula
11. CVM

O que ocorreu: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicou a Dantas uma multa extremamente branda por manter aplicações de investidores residentes no Brasil no Opportunity Fund, fundo sediado nas Ilhas Cayman. O procedimento feria a regulamentação do Banco Central. Hoje, essa acusação é justamente o pilar da investigação que levou o banqueiro à prisão.
O que Dantas pode esclarecer: como ele convenceu a CVM a manter sua licença para operar no sistema financeiro.

Ano 2004
Governo Lula
12. CVM

O que ocorreu: enquanto o caso se arrastava na CVM, Dantas se reunia seguidamente para tratar do assunto com o petista Ivan Guimarães, ex-auxiliar de Delúbio Soares e ex-presidente do Banco Popular.
O que Dantas pode esclarecer: sobre o que Dantas e Guimarães conversaram.

Ano 2004
Governo Lula
13. Matisse

Leopoldo Silva/Folha Imagem
O publicitário petista Paulo de Tarso: contratado para "reposicionar" Dantas

O que ocorreu: Dantas contratou a agência Matisse, de propriedade de Paulo de Tarso Santos, publicitário das campanhas de Lula em 1989 e 1994, para "reposicionar" a marca Brasil Telecom no mercado de telefonia. A informação foi revelada por VEJA.
O que Dantas pode esclarecer: por que justamente Paulo de Tarso foi escolhido e quanto foi pago a ele.

Joedson Alves/AE
Valério: o dinheiro do mensalão também veio do banqueiro


Ano
2003/2005
Governo Lula
14. Mensalão

O que ocorreu: Dantas pagou ao publicitário Marcos Valério ao menos 152,4 milhões de reais por meio das concessionárias de telefonia Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular.
O que Dantas pode esclarecer: o que ele ganhou do governo por abastecer o propinoduto do mensalão.

Ano 2003/2005
Governo Lula
15. Mensalão

O que ocorreu: anotações na agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Marcos Valério, mostravam encontros entre o publicitário e o sócio de Dantas, Carlos Rodenburg. Ao menos um desses encontros contou com a presença de Delúbio Soares.
O que Dantas pode esclarecer: sobre que tipo de negócio conversaram.

Ano 2002/2005
Governo FHC e Lula
16. Telefonia

Sergio Lima/Folha Imagem
Mangabeira: consultoria de longo prazo para o Opportunity

O que ocorreu: Dantas pagou pelo menos 1,1 milhão de dólares ao então professor Mangabeira Unger, a pretexto de tê-lo como consultor e representante legal nos Estados Unidos.
O que Dantas pode esclarecer: que tipo de consultoria Mangabeira prestou e por que custou tão caro.

Ano 2005
Governo Lula
17. CPI dos Correios

O que ocorreu: o senador Heráclito Fortes, velho aliado de Dantas, disse ao ex-ministro Luiz Gushiken que a Kroll, empresa de espionagem contratada pelo banqueiro, era especializada em "rastrear contas bancárias no exterior".
O que Dantas pode esclarecer: se foi uma ameaça velada ou uma informação vazia.

O espião Frank Holder: bisbilhotagem a mando de Dantas

Ano 2006
Governo Lula
18. Dossiê da Kroll

O que ocorreu: Dantas mandou seu espião Frank Holder fazer um dossiê com contas no exterior que seriam do presidente Lula e de outros manda-chuvas do governo e do petismo. VEJA revelou a existência do dossiê e denunciou o uso que Dantas esperava fazer dele.
O que Dantas pode esclarecer: como Holder chegou às supostas contas.

Ano 2006
Governo Lula
19. Dossiê da Kroll

O que ocorreu: depois que a existência desse dossiê foi revelada por VEJA, Dantas reuniu-se em Brasília com o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
O que Dantas pode esclarecer: se a conversa girou em torno da autenticidade das contas.

Ano 2008
Governo Lula
20. BrOi

O que ocorreu: Dantas foi convencido a encerrar seu litígio com o governo envolvendo o controle da Brasil Telecom. Essa decisão foi essencial para a criação da gigante da telefonia BrOi.
O que Dantas pode esclarecer: os argumentos usados para convencê-lo a desistir da briga.


A guerrilha na PF

Divisões internas minam a instituição e as investigações


Felipe Varanda/Folha Imagem
O delegado-geral Luiz Fernando Corrêa: ações para melhorar a qualidade técnica da PF


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Quadro: os "alvos" do Protógenes
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Dantas contra a parede
Exclusivo on-line
Cronologia: Os rolos de Daniel Dantas

O inquérito produzido pelo delegado federal Protógenes Queiroz, que embasou o pedido de prisão do banqueiro Daniel Dantas e companhia, é um texto confuso, eivado de convulsões ideológicas e pródigo em julgamentos sem nenhuma base na realidade. É um exemplo de como não deve ser conduzido um trabalho policial com ambição de ter impacto no resultado final do julgamento sobre seus alvos. O inquérito tem relatos imprecisos sobre os investigados e intermináveis transcrições literais de grampos telefônicos a partir dos quais são feitas suposições e emitidas opiniões. Perpassa todo o relatório um viés esquerdista na linha "somos contra tudo isso que está aí". O capítulo dedicado à imprensa é dos mais disparatados. Sem uma única prova e até diante de evidências em contrário coletadas por ele mesmo, o delegado se contorce para concluir que jornais e revistas, entre elas VEJA, estariam ajudando Daniel Dantas a se safar ou a se fazer de vítima (veja o boxe). Seria apenas risível, não fizessem essas acusações parte de um inquérito produzido por uma autoridade do estado brasileiro, com poder de dar voz de prisão e influenciar togados. Ao fim e ao cabo, o amadorismo demonstrado pelo delegado Protógenes, como diz a Carta ao leitor desta edição, facilitará, provavelmente, a impunidade dos acusados. Daniel Dantas e o especulador Naji Nahas decerto têm muito a explicar à Justiça, mas nada do que realmente interessa ou possa levá-los a uma condenação está no inquérito que motivou a prisão de ambos e dos demais envolvidos.

A prisão de Dantas, em especial a segunda, deveu-se ao flagrante armado de forma engenhosa pelos policiais, e não à má literatura do delegado Protógenes, que só vai beneficiar os acusados. Mandante de ações de espionagem empresarial mirabolantes, o banqueiro Dantas foi feito de bobo no plano da realidade mais terrena, ao tentar subornar, via intermediários, um delegado da PF. Em 11 de junho, o delegado Victor Hugo Ferreira recebeu um telefonema de Humberto Braz, ex-presidente da Brasil Telecom e funcionário do banco Opportunity, de Dantas. Ele dizia ter informações de que a Polícia Federal estava investigando seu chefe e que gostaria de marcar uma reunião para tratar do assunto com Ferreira, pois sabia que o delegado estava no caso. Ambos, então, combinaram um encontro para 18 de junho, na churrascaria El Tranvía, na região central de São Paulo. Ferreira avisou seus superiores e a Justiça sobre o contato e decidiu gravar a conversa. Quando chegou ao restaurante, deparou com Hugo Chicaroni, que se apresentou como amigo de Braz e lhe pediu que fosse confirmada a existência da investigação. Diante da resposta positiva, tentou comprar o delegado. Ofereceu a ele 50 000 reais por ter aceitado ir à reunião e disse que lhe entregaria mais 500 000 dólares se Dantas e sua família fossem excluídos do relatório final da PF. Ferreira fingiu aceitar a oferta. Foi até a casa de Chicaroni, no bairro paulistano de Moema, e saiu de lá com os 50 000 reais prometidos. Combinaram de se encontrar novamente, para liquidar o restante do pagamento.


Fotos Sergio Dutti/AE e Robson Fernandes/AE
O ex-delegado-geral Paulo Lacerda (à esq.) e seu amigo Protógenes: teorias conspiratórias

No dia 23, voltaram ao restaurante El Tranvía. Dessa vez, além de Chicaroni, Braz também estava presente. O encontro foi filmado pela polícia com uma câmera oculta. O delegado apresentou documentos para comprovar a existência da investigação. Quando viu a papelada, Braz disse que estava autorizado por Dantas a aumentar a oferta de suborno para 1 milhão de dólares, em duas parcelas. A primeira a ser paga antes do fim da operação e a última, depois que a investigação estivesse concluída. Dois dias mais tarde, Chicaroni e o delegado reencontraram-se, dessa vez no restaurante Paddock de Moema. O preposto de Dantas deu ao delegado mais 80000 reais. Não voltaram a se falar até que, no dia 8, a polícia deflagrou a Operação Satiagraha e prendeu Chicaroni. Na casa dele, foi achada a quantia de 1,28 milhão de reais, que supostamente seria usada para completar o pagamento da propina. Em depoimento prestado depois de ter sido preso, Chicaroni confirmou a tentativa de suborno do delegado a mando de Dantas e disse que o dinheiro lhe havia sido repassado por funcionários do Opportunity. De acordo com a PF, o milhão e lá vai pedrada apreendido "reforça a hipótese de que Daniel Dantas tinha pleno conhecimento da propina, uma vez que as interceptações telefônicas e telemáticas mostraram que Humberto Braz é o braço-direito de Daniel Dantas na organização criminosa". Com o depoimento de Chicaroni, o banqueiro, que havia sido solto na manhã do dia 10, após duas noites em cana, foi outra vez trancafiado na cadeia da PF, em São Paulo. Na sexta-feira, ele saiu da prisão graças a outro habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal. Assim como motoristas que subornam guardas de trânsito não mofam na prisão, o banqueiro ficou livre para responder a esse processo fora das grades. Do ponto de vista da lei, é a mesma coisa. O flagrante esgotou-se nele próprio, como geralmente ocorre nesses casos. Na noite de sexta-feira, dos 17 detidos pela Operação Satiagraha, apenas Chicaroni continuava preso. As acusações de fraudes, corrupção ativa e demais crimes financeiros que constam do inquérito de Protógenes estão de tal forma diluídas em citações vagas e conclusões estapafúrdias que, muito provavelmente, em vez de pesar contra os acusados podem até ajudá-los a escapar. A obra investigativa do delegado Protógenes talvez tenha o mesmo destino das pinturas de seu homônimo famoso, que viveu na Grécia no século IV a.C., das quais nada sobrou para ser visto, sobrevivendo apenas pelos relatos de cronistas contemporâneos.

Andre Dusek/AE
Gilmar Mendes, presidente do STF: "Os órgãos estatais agem no limite do justiçamento"

Deixando de lado as razões de fundo, como a falta de um sistema educacional eficiente, capaz de gerar uma quantidade suficiente de profissionais competentes nas mais diversas áreas, há uma razão de circunstância que explica o fenômeno Protógenes: a balcanização da PF. Ela hoje se encontra dividida entre uma parte boa e uma banda ruim. A primeira está sob a batuta do delegado-geral Luiz Fernando Corrêa. Além de estar empenhado em limpar a Polícia Federal dos quadros corruptos, ele quer melhorar a qualidade técnica dos policiais federais, para, desse modo, produzir inquéritos e ações mais bem fundamentadas. A banda ruim, por sua vez, age à revelia do delegado-geral e obedece a instintos de vingança pessoal e política, o que enfraquece o trabalho policial e lhe tira a substância e o vigor necessários para prevalecer na Justiça. Paulo Lacerda, ex-delegado-geral da PF e hoje na direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), tem ainda devotos na instituição que comandou e há a suspeita de que eles cumpram missões a seu pedido.

Lacerda odeia Dantas porque o banqueiro mandou a empresa Kroll espioná-lo em 2004. Suas impressões digitais foram vistas na organização e no deslanche da Operação Satiagraha. O delegado Protógenes confiou a espiões da Abin parte do trabalho de vigilância e monitoramento dos suspeitos. A estratégia de ação e o resultado das diligências eram compartilhados apenas por Protógenes e pelo atual diretor da Abin, Paulo Lacerda, ex-diretor da PF. A explicação para isso: os superiores do delegado atuariam no interesse de Dantas. Segundo a teoria conspiratória, o delegado-geral Luiz Fernando Corrêa foi alçado ao posto por pressões de políticos ligados a Daniel Dantas, e sua missão seria acabar com todas as investigações contra o banqueiro. Suspeitando de tudo e de todos, Protógenes recorreu à Abin para ajudá-lo na investigação e mandou recados a colegas seus da PF de que tinha provas e gravações que mostravam que eles estavam trabalhando a favor de Dantas. Não se sabe que provas são essas e nem se elas efetivamente existem. Em público, Corrêa elogiou e defendeu o trabalho da polícia, mas, assim como o ministro da Justiça, Tarso Genro, eles só souberam da operação quando ela já estava em andamento.

Foi uma das ações da Abin, aliás, que quase pôs o sigilo da Satiagraha abaixo. Dantas soube que estava sendo investigado no dia 27 de maio passado, quando Humberto Braz levava sua filha à escola no Rio de Janeiro. O motorista do carro percebeu que estava sendo seguido por um Astra preto, com placa de São Paulo. A delegacia anti-seqüestro foi alertada e o veículo suspeito foi interceptado. Seus ocupantes, então, identificaram-se como agentes da Abin. Disseram que estavam em uma operação para prender contrabandistas russos. Procurada por VEJA, a agência não quis se pronunciar. A assessoria do Gabinete de Segurança Institucional avisou que não comentaria se o ministro Jorge Felix sabia ou não da participação da Abin na investigação.


Dinheiro apreendido na casa de Hugo Chicaroni, ligado a Dantas: tentativa de subornar delegado

O delegado Protógenes, perdido nas névoas de sua teoria conspiratória, atira para todo lado. Entre seus alvos aparece o próprio ministro presidente do STF, Gilmar Mendes. Na semana passada, o ministro encaminhou uma representação ao Conselho Nacional de Justiça pedindo investigações sobre uma provável invasão de seu gabinete, onde teriam sido instaladas câmeras de vídeo com o objetivo de espioná-lo. Em conversas com auxiliares, Protógenes revelou que a polícia tinha imagens gravadas no gabinete do ministro que mostrariam uma estranha proximidade de assessores do tribunal com os advogados de Daniel Dantas. A insinuação: o presidente do Supremo Tribunal Federal teria concedido o habeas corpus libertando o banqueiro mediante um acerto prévio com os advogados.

Mendes tomou conhecimento da suposta invasão por meio da vice-presidente do Tribunal Regional Federal de São Paulo, a desembargadora Suzana Camargo. A magistrada ouviu do juiz Fausto de Sanctis, o responsável pelo processo de Daniel Dantas, a informação de que a Polícia Federal havia gravado reuniões dentro do gabinete do ministro, inclusive revelando detalhes das conversas – numa delas, havia críticas à fragilidade dos argumentos jurídicos do juiz. Procurada por VEJA, a desembargadora classificou o episódio como um "mal-entendido", disse que a história "não foi bem assim" e pediu que o ministro fosse procurado para confirmar. O juiz De Sanctis divulgou nota informando que não autorizou o monitoramento contra Gilmar Mendes ou contra qualquer outra autoridade da Justiça superior. Portanto, se houve a gravação, como confidenciou o juiz à desembargadora, ela foi feita de maneira clandestina pelos policiais ou pelos espiões da Abin. O presidente do STF levou o caso ao ministro da Justiça e ao diretor da Polícia Federal. Os dois afirmaram desconhecer qualquer ação ilegal da PF – e não poderiam, é óbvio, dizer outra coisa. "Os órgãos estatais, há algum tempo, estão atuando no limite do que poderíamos chamar de justiçamento. Embora muito grave, isso não me surpreende mais", disse Gilmar Mendes. O tribunal fez uma varredura no gabinete do ministro e nada foi encontrado.

A atuação e o inquérito do delegado Protógenes, que abriga contrabandos de Lacerda contra seus desafetos, só não podem ser classificados como típicos de um estado policial, porque os estados policiais costumam ser mais competentes. Em determinados momentos, ele parece um aluno de faculdade de sociologia tentando impressionar o mestre esquerdista com frases de efeito. Para justificar a renovação da autorização dos grampos telefônicos, Protógenes recorre a uma frase do destrambelhado lingüista americano Noam Chomsky: "A mídia é um veículo independente, comprometido com a verdade e imparcial, certo? Errado!". Ao ritmo de uma revolução por parágrafo, cita, ainda, o suíço Jean Ziegler, autor do livro A Suíça Lava Mais Branco: "Se prevalecem grandemente da deficiência dos dirigentes da sociedade capitalista contemporânea. A globalização de mercados financeiros debilita o estado de direito, sua soberania e sua capacidade de agir". Ele também acha que Freud não explica: "Comparar a gigantesca organização criminosa comandada por D. Dantas com a de N. Nahas seria um ‘paradigma ingênuo’ ou aplicar a simetria das condutas criminosas estaríamos diante de um método freudiano primitivo e ridículo". Não tente entender. Não tem sentido.

No inquérito, há uma "análise" segundo a qual o banco Opportunity "tem pessoas infiltradas no Comando do Exército, onde estes indivíduos promoveriam os interesses do grupo, principalmente espionando ações militares estratégicas e secretas". Será que Dantas planejava montar uma base de mísseis em sua cobertura na Vieira Souto? O delegado Protógenes mostra também que não baixará a guarda "contra tudo isso que está aí". Ao abordar uma suposta tentativa do deputado Delfim Netto", articulista da revista Carta Capital, de emplacar Naji Nahas na gestão do fundo soberano planejado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, ele vocifera: "Ante as ameaças de corsários saqueadores das riquezas do nosso país, deixo aqui registrado que o ‘amanuense’, que ora subscreve a presente peça, e por ‘cautela’ alerto aos incautos, seja de forma individual ou organizados criminosamente para tal finalidade, que estarei de prontidão comparado a um integrante da Brigada dos Tigres, fazendo um acompanhamento detalhado do futuro Fundo Soberano". Ouvido por VEJA, Delfim Netto disse: "Esses métodos de investigação têm de ter limites dentro do estado de direito. Eles não só invadem a privacidade das pessoas que não têm qualquer relação com a investigação – o que, por si só, é gravíssimo – como também, neste caso específico, violentam a lógica. A investigação diz que eu planejo tirar vantagens escusas da criação do fundo soberano. Como, se fui contra o fundo soberano desde o começo? Isso aí é público. Isso não é trabalho da Polícia Federal. É produto de um insano dentro da PF. Deve ser um neonazista. Sabe Deus o que a cabeça do sujeito imagina".

Nas partes referentes a Naji Nahas, toda a mitomania do especulador é levada a sério por Protógenes. Uma das sandices que mais ganharam repercussão na imprensa foi aquela em que se atribui ao especulador a posse de informações privilegiadas do Federal Reserve, o banco central americano: "Homem não identificado fala aparentemente de New York e antecipa para Naji a queda da taxa de juros, controlada pelo Fed americano, em até 0,5%... N. Nahas, segundo ele próprio revela que foi o presidente do Banco Mundial que lhe repassou esta informação. Tal fato ocorreu com vinte dias de antecedência, podendo então direcionar seus investimentos com certeza, aonde o mercado financeiro globalizado tinha dúvidas". O Banco Mundial nada tem a ver com o Fed, ambos ficam em Washington e as mudanças da taxa de juros americana são antecipadas corretamente pelo mercado em 99% das vezes.

No inquérito, há a transcrição de uma conversa entre "possivelmente" Gilberto Carvalho, chefe-de-gabinete do pre-sidente Lula, e Humberto Braz, homem de Dantas. O diálogo gira em torno de uma "conta-curral", na qual aparentemente seria depositada uma quantia em duas vezes, em troca de um trabalho de "consultoria". Carvalho, na conversa, é chamado de "Giba". Procurado por VEJA, o chefe-de-gabinete da Presidência, por meio da assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, afirmou que jamais conversou por telefone com Humberto Braz, a quem não conhece. Disse ainda que ninguém o chama de Giba. "Meu apelido é Gil." E concluiu: "Isso tudo é uma maluquice". É mesmo. Só que, por causa dela, Dantas e companhia talvez não paguem por seus crimes – os de verdade.

A "mídia" também é inimiga

Os espasmos ideológicos do inquérito da Polícia Federal são particularmente violentos nas partes dedicadas à "mídia" – expressão preferida pelos inimigos da liberdade de expressão quando se referem à imprensa. O delegado Protógenes chegou a pedir a prisão da repórter Andréa Michael, do jornal Folha de S.Paulo, porque ela noticiara, em abril, a existência de uma operação em curso para prender Daniel Dantas. De acordo com o delegado, que a ela se refere como "travestida de correspondente na cidade de Brasília", isso teria dificultado a ação policial. Problema seu, doutor Protógenes, se a PF foi incompetente para manter o segredo da operação. O que não pode, numa democracia, é punir o mensageiro porque ele fez o seu trabalho. No inquérito, há menções a conversas que Dantas e Nahas teriam mantido com outros jornalistas da Folha, do jornal Valor Econômico, das revistas Época e IstoÉ Dinheiro. As referências a VEJA são sórdidas e especialmente desprovidas de evidências mínimas – porque, de fato, elas não existem. Em várias passagens, o delegado Protógenes tenta estabelecer uma ligação entre a revista e Daniel Dantas. Não apresenta uma única prova e, pior, distorce as provas em contrário. O inquérito contém uma gravação em que um dirigente da empresa de Daniel Dantas ameaça entrar com ação judicial contra uma reportagem de VEJA intitulada "A guerra nos porões". A "análise" do delegado procura deliberadamente e sem sucesso falsificar o sentido da informação. O desvario de Protógenes em relação à imprensa é tamanho que o juiz Fausto de Sanctis o ignorou em seu relatório.

Reação da Folha de S.Paulo: a PF culpa a imprensa por sua própria incompetência



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