PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
9/7/2008 |
Parecia que a Polícia Federal estava ontem cumprindo ordem do chefe de polícia de Casablanca e saiu por aí prendendo os suspeitos usuais. Naji Nahas está envolvido em escândalo financeiro desde os anos 80; Celso Pitta foi protagonista de brigas que iam da Vara de Família à Delegacia de Defraudações; Daniel Dantas está envolvido num volume impressionante de casos tortuosos. Enquanto isso, em Londres, o "Financial Times" publicou a mais entusiasmada das várias reportagens otimistas sobre o Brasil. "Não é exagero dizer que o Brasil está à beira do status de superpotência", garante o jornal numa edição especial em que diz que o país surfa uma grande onda de confiança. Qual desses lados reflete, de fato, o Brasil? O da onda de confiança internacional, com chance de ser potência? Ou o das grandes e tortuosas negociatas? O de riquezas instantâneas e extravagantes IPOs ou o das pilhas de dinheiro em quartos de hotel ou cuecas partidárias? Uma fonte do governo explicou que a prisão de Daniel Dantas e vários dos seus assessores, amigos e familiares, e de Naji Nahas e Celso Pitta era para "proteger provas recolhidas e proceder aos interrogatórios iniciais". É uma prisão temporária, de cinco dias. As acusações são lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta. A acusação de que Daniel Dantas tentou subornar um agente da Polícia Federal fundamenta o pedido de prisão preventiva, pois isso significa que ele poderia atrapalhar as investigações. Daniel Dantas teve um papel apenas lateral no mensalão. Ficou provado que ele alimentou o esquema através de pagamentos feitos por empresas que administrava - Amazônia Celular e Telemig Celular - às agências de Marcos Valério. E também que ele tentava ocultar provas, incinerando notas. Mas isso estava longe do centro do mais audacioso esquema de corrupção política, em que houve confessada formação de caixa dois do PT, comprovadas transferências de quantias em dinheiro vivo para parlamentares e partidos da base do governo. Essa "organização criminosa", como definiu o procurador-geral da República, responde a processo no STF, porém não tem ninguém preso. O que se explica no governo é que o trio Dantas-Nahas-Pitta não está preso por causa do mensalão em si, mas por uma investigação que começou lá. - Era uma pista lateral que, depois de seguida por anos, levou a um esquema muito grande de lavagem de dinheiro - disse a fonte. Dantas está envolvido em tantas confusões que tudo parece possível, mas uma delas, como todos se lembram, foi mandar investigar gente do próprio governo do PT, fato descoberto pelo rumoroso caso Kroll. Perde-se muita produtividade ao tentar entender todos os escândalos que surgem na vida política e corporativa brasileira. Não que eles não devam ser investigados, mas é bom lembrar que alguns surgem com grande estrondo e depois desaparecem. O que aconteceu com aqueles aloprados, alguns do comitê de campanha da reeleição do presidente Lula, que foram apanhados com R$1,7 milhão em dinheiro vivo no Hotel Ibis? Não receberam sequer a pena dos serviços comunitários aplicada a Silvio Pereira. "Os principais jornais estão cheios de intrigas políticas, mas pelo menos para o mercado, especialmente os investidores estrangeiros que aplicaram bilhões de dólares no país nos últimos anos, nada disso tem muita importância", diz o jornal inglês. O Brasil tem, de fato, o lado luminoso, que vem dos anos das transformações econômicas que o levaram de um indigente econômico, soterrado por uma hiperinflação, ao país que é agora apontado como um dos mais brilhantes entre os emergentes. "Estável econômica e politicamente", como afirma o "Financial Times", o qual, neste momento de necessidade de energia e alimentos, parece ter tudo. É produtor do etanol mais bem-sucedido, de uma infinidade de produtos agrícolas, além de ser o quarto maior em produção de automóveis. A Volks no Brasil passou até a da Alemanha em carros vendidos. O país virou o segundo maior mercado da montadora; perde apenas para a China. É também, diz o jornal, um forte destino dos investimentos diretos estrangeiros. Tudo bem? Não. Toda a boa vontade do mundo não esconderia que aqui a infra-estrutura "é uma bagunça", saúde e educação pública são "persistentemente inadequadas", a desigualdade "é notória", empresas acabam "cedendo à informalidade" e o Brasil parece "viciado em setor público". Nessa edição especial de ontem, as boas e más notícias se mesclavam. Ora é o país que tem uma impressionante coleção de conquistas políticas, ora o que tem uma "merecida" reputação de estar entre os mais violentos. A visão do jornal é otimista até quanto à Amazônia. Acha que está se formando um consenso em torno de sua proteção. Que país é o Brasil? Ontem era apenas o país que tem boas perspectivas econômicas e chances de ser uma potência, no qual alguns suspeitos dormiram na cadeia, muitos outros estão fora dela, e uma família chora uma dor inexplicável: a de enterrar uma criança de 3 anos metralhada por uma polícia desastrada que é responsável por um em cada cinco homicídios no país. Uma polícia que atira em suspeitos e não sabe sequer diferenciá-los de uma família indefesa. Se não fosse a repercussão do caso, os assassinos sairiam da prisão mais cedo que o trio Dantas-Nahas-Pitta. |
Entrevista:O Estado inteligente
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