Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 11, 2008

Luiz Garcia - O possível e o certo




O Globo
11/7/2008

Está certo que há coisas muito mais importantes acontecendo. Só no mundo do crime - com ou sem gravata - o prato tem estado cheio. Mas, por favor, tenham dó: para se comentar qualquer coisa, com arremedo de graça e esforço de informação, é necessária uma dose de originalidade.

E o que se pode dizer de original sobre PMs que fuzilam crianças num carro? Ou sobre acusações de crimes financeiros contra Daniel Dantas, Naji Nahas e o mascote do time, Celso Pitta?

São tragédias e tramóias já comentadas por analistas com conhecimento de causas e possíveis conseqüências (as primeiras, muitas: as últimas, talvez escassas).

É verdade que meu assunto tem desfecho previsível e não muito animador. Mas vale a pena de qualquer maneira bater palmas para a proposta de emenda constitucional do deputado Clodovil Hernandes: redução do número de deputados federais, de 513 para 250. Certamente um sonho de uma manhã de inverno - mas de qualquer maneira uma idéia sensata.

E não começou nada mal. Clodovil conseguiu as assinaturas de 279 deputados (o mínimo é 171). Com muitos nomes conhecidos: Michel Temer, Aldo Rebelo, Miro Teixeira, Ciro Gomes. É um apoio que pode se desfazer na hora de votar. Provavelmente, acontecerá isso mesmo. Mas, como disse Miro, no começo também ninguém acreditava nas Diretas Já, que levaram dez anos para virar realidade.

Com certeza aqui fora será extremamente popular o que poderíamos chamar de Operação Encolhimento (nome ruinzinho, eu sei; na próxima vez vamos pedir uma assessoria ao Departamento de Batismo de Operações da Polícia Federal). O eleitorado está cansado de saber que a Câmara tem um índice de operosidade bem baixinho em relação ao número de legisladores. Particularmente levando-se em conta o custo do funcionamento da casa.

Além de muitos, nossos deputados - claro, com honrosas exceções etc. e tal - têm direito a mordomias e vantagens comparáveis às de altos funcionários de empresas milionárias. Conseguiram até o absurdo de dotar o mandato político de todas as vantagens de uma relação de emprego, que lhes garante até aposentadoria.

A redução do número de eleitos não acabaria com nada disso. Mas pelo menos o custo total ficaria mais em conta. E os sobreviventes poderiam usar com mais conforto - quem sabe, maior eficiência - as instalações físicas da Câmara. Elas há muito tempo já são acanhadas, para a quantidade de representantes e líderes.

Já que estamos falando do que provavelmente não acontecerá mesmo, podemos nos permitir até imaginar que, mais bem instalados em Brasília, nossos deputados talvez até viajassem menos pelo mundo. Quem sabe, dispensariam até a viagem anual de compras e passeios em Nova York, coincidente com a assembléia anual da ONU.

De qualquer maneira, Clodovil merece parabéns pelo projeto quixotesco. Ele se atreveu a sonhar com algo praticamente impossível, e fez muito bem: quem procura apenas o possível abdica do direito de buscar o certo.

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