O diretor de 2 Filhos de Francisco mostra que
é possível usar bem o que já foi fartamente usado
Isabela Boscov
Divulgação |
Vitória e Martins no "terraço" da casa dele: um drama plausívels |
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O diretor Breno Silveira, de 2 Filhos de Francisco, tem um caso de amor com os clichês. E, antes que a observação soe maldosa, é preciso dizer que ele os usa como uma espécie de proposta artística, e quase sempre os usa muito bem. Basta lembrar da cena em que os garotos que viriam a se tornar Zezé Di Camargo e Luciano cantam numa rodoviária para ganhar uns trocados – uma cena inevitável em qualquer biografia musical, e nem por isso feita de forma menos tocante. É dessa mesma matriz, a das coisas que todos já viram mas que ainda guardam sua força, que Silveira tira Era uma Vez... (Brasil, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país. Projeto anterior a 2 Filhos, e que o diretor diz só ter conseguido tirar da gaveta em razão do sucesso do mesmo, o filme acompanha Dé (Thiago Martins), um rapaz da favela do Morro do Cantagalo, em Ipanema. Em menino, o caçula Dé vê o irmão do meio ser abatido a tiros pelo tráfico por causa de uma disputa numa pelada; sua tentativa de proteger o irmão mais velho, Carlão (Rocco Pitanga), redunda em tragédia. Dé cresce então colado à mãe e bem longe do "movimento". Empregado de um quiosque do calçadão, faz cachorros-quentes, varre o chão e sonha com a garota loira e delicada que vê pela janela de um apartamento à sua frente, na Vieira Souto. Ato contínuo, Dé e Nina (Vitória Frate) vão se apaixonar, enfrentar a resistência compreensível da mãe dele (que não quer confusão por causa de uma patricinha) e do pai dela (que não quer ver a filha subindo o morro), e – segue-se mais tragédia.
A seu favor, Silveira tem a intimidade com a tensão carioca entre avenida e morro, que capta com destreza e sem pesar a mão. Tem também o encanto de Thiago Martins, ele próprio crescido na favela e integrante do grupo de teatro Nós do Morro: embora ainda titubeie nas cenas mais introspectivas, Martins sabe ser cativante e parecer protetor, mas não possessivo – um elemento fundamental para que o romance ganhe credibilidade. Contra si, o diretor tem a inclinação para abusar de seu dom. A maneira como o irmão mais velho volta à cena e os acontecimentos que ele desencadeia carregam bem além da conta nas tintas. Por muito menos, um drama como aquele em que Dé e Nina se envolvem já seria plausível.
Depois dos estrondosos 5,3 milhões de espectadores de 2 Filhos, a barreira maior no caminho de Silveira é o seu próprio sucesso. Era uma Vez... não conta com o apelo de uma marca poderosa como a de Zezé e Luciano, e seu elenco é ainda menos conhecido que o do filme anterior. Agora, portanto, o diretor vai atravessar a prova de fogo que é se impor num nicho sofrido da bilheteria, cada vez mais acossado pelo DVD: aquele espaço imenso que fica entre os filmes "alternativos", que os cinéfilos fazem questão de ver na tela grande, e os filmes-evento, que todo mundo corre para ver sob pena de ficar sem assunto. Diretores como Silveira têm brigado para que esse espaço não vire um vazio. Fazem-se votos, então, de que a briga não seja perdida por nocaute.
Trailer do filme |