O Estado de S. Paulo |
16/7/2008 |
O presidente da República, nas suas aparições públicas, que são quase diárias, tem repetido uma frase que se tornou rotineira no noticiário da imprensa: "Nunca antes na História do Brasil..." É com esta frase que ele ressalta os feitos do governo. "Nunca antes na história desse país se trabalhou tanto", "nunca antes se fez tanto", "nunca antes a economia viveu um momento tão importante." É verdade que a economia brasileira vive um bom momento. Mas isso não surgiu por acaso, por um falso milagre, por uma dádiva divina. É um processo que foi iniciado lá atrás, com a implantação do Plano Real, pelo qual se obteve o controle da inflação. Todo brasileiro com um mínimo de conhecimento sabe que a inflação foi sócia dos banqueiros, ajudou muitos governos, tanto o federal quanto os dos 27 Estados da Federação e as prefeituras. Os gestores públicos gastavam sem controle, davam aumentos generosos ao servidor público. Contavam com o fato de que a inflação e a ciranda financeira compensariam os abusos, de dois em dois meses, de três em três meses. Esse processo inflacionário foi enfrentado e vencido após muitas dificuldades e o povo brasileiro pagou um preço elevado por isso. É fato - e sempre é bom frisar - que nenhum país do mundo conseguiu superar o processo inflacionário sem que o povo carregasse um pesado ônus. Foi por meio do controle da inflação que o País conquistou confiança interna e externa, plantando as sementes do desenvolvimento. A colheita coube ao governo atual. Isso ocorreu porque o governo abandonou a retórica aventureira. A conquista da estabilidade da economia do Brasil foi obtida a partir de dois pilares: o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sem essas duas pernas o País não teria alcançado a posição de destaque que ocupa hoje em dia. E o Plano Real e a LRF tiveram a oposição ferrenha do atual presidente da República e do seu partido. Ambos trabalharam contra o Plano Real e massacraram a LRF, em entrevistas, em debates, nas ruas e votando contra na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Sem essas duas premissas - o Plano Real e a LRF - seria impossível comemorar muitos dos avanços obtidos hoje. A aprovação da LRF, há sete anos, é um marco na história da administração pública brasileira. Pela primeira vez foram adotadas regras claras e transparentes para obter o equilíbrio das finanças públicas do nosso país. Com o fim da inflação os gestores públicos perceberam que não mais poderiam ser sócios da ciranda financeira e da correção monetária. A LRF abriu as portas para que Estados e municípios deixassem de ser um obstáculo à estabilidade econômica. Assumi o primeiro mandato de governador de Pernambuco, em 1º de janeiro de 1999, ciente dessa realidade. Durante o meu segundo mandato, de 2003 a 2006, algumas vezes fui convocado para reuniões em Brasília por outros governadores, que queriam abrir uma porta para a renegociação da dívida. Sempre resisti à reabertura dessa discussão. Não me sentia em condições de renegociar uma dívida para pagar em 30 anos, com juros privilegiados de 6% ao ano. Devo admitir que pagamos, algumas vezes, com sacrifício. Não é fácil para um governante destinar 11%, 12%, até 13% da arrecadação líquida do Estado para pagar dívidas do passado. Mas tinha absoluta convicção de que se não fosse assim - se a União não tivesse assumido esse papel de renegociar a dívida e ser o único credor de todos os Estados da Federação -, evidentemente, estaríamos numa situação de completa bancarrota. Por tudo isso, é uma insensatez do governo federal o fato de ter enviado ao Congresso Nacional um projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente neste momento em que a instabilidade ronda a economia mundial e a inflação volta a ser uma preocupação para os brasileiros. Basta ver a televisão, basta ler os jornais, basta conversar com qualquer pessoa que entenda o mínimo de inflação para ver em cada um dos brasileiros a inquietação em relação ao retorno do processo inflacionário. A proposta do governo Lula permite que Estados e municípios contratem empréstimos ou reestruturem as suas dívidas, mesmo que alguns dos Poderes gastem com pessoal mais do que atualmente é permitido pela LRF. O que o governo propõe é um verdadeiro "estupro" da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não é justa a argumentação de que o Estado não pode ser punido diante do descumprimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É verdade que os Poderes são independentes, mas o ajuste fiscal não pode ser exigido apenas do Executivo. Até porque o caixa é um só. Não existe caixa do Poder Legislativo nem existe caixa do Poder Judiciário, existe o do Poder Executivo - os demais recebem os duodécimos. Se existem Legislativos e Judiciários fora dos eixos da LRF, eles devem ser chamados à ordem. Alterar esta lei é premiar quem não fez o dever de casa corretamente. Mudá-la representa pôr em risco tudo o que conquistamos nos últimos 15 anos - primeiro, com o Plano Real e, depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde as primeiras medidas aplicadas pelo plano. Acompanho com grande apreensão a tramitação desse projeto de autoria do Executivo. O Senado Federal, pela maioria expressiva dos seus integrantes, precisa estar atento e não permitir que prospere esse projeto da forma com está. Cabe ao Senado barrar essa tentativa de violar os princípios da LRF. As alterações propostas são aberrações, são atos de insensatez e de irresponsabilidade por parte do governo federal. |
Entrevista:O Estado inteligente
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