Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2008

Conjuntura Inflação brasileira: muito além do "feijãozinho"

Não é só o "feijãozinho"

A inflação tem um forte componente externo, mas
as ameaças internas estão longe de ser desprezíveis


Giuliano Guandalini

Celso Junior/AE
Henrique Meirelles, do BC: o cavaleiro dos juros

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Quadro: A alta dos preços é perceptível a consumidores e poupadores

"A culpa é do chuchu." A frase, que entrou para a história, foi dita em 1977 pelo então ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, para justificar a alta na inflação. Há dois meses, o atual ministro da Fazenda, Guido Mantega, emulou seu longínquo antecessor e afirmou que, "tirando o feijãozinho", não há por que se preocupar com a alta recente nos preços. Compreende-se que, agora, como no passado, os responsáveis pela condução da política econômica tentem tranqüilizar a população e evitar especulações. É o que se exige deles, pois a mera expectativa em relação ao comportamento futuro da inflação traz em si o poder de desencadear uma onda de remarcações, roendo o poder de compra da moe-da. O momento, de fato, exige cuidado. Após dois anos adormecida, a inflação voltou a preocupar e se faz sentir no bolso dos consumidores e poupadores. Até aqui, foram os pobres os que mais sofreram. Isso porque os reajustes vieram com mais intensidade nos alimentos, entre eles o "feijãozinho". O encarecimento da comida refletiu, em boa medida, o aumento generalizado no preço internacional das commodities. O custo da cesta básica (composta de produtos como arroz, carne e farinha) subiu mais de 20% em algumas capitais nos últimos seis meses. Mas a alta de preços é generalizada. Tanto que a classe média começa a sentir o golpe não só no supermercado como nos serviços. Para completar, suas aplicações financeiras perderam para a inflação no semestre que passou (veja o quadro).

Felizmente, as armas do governo contra a alta de preços não se limitam à retórica. Para mantê-la dentro da meta, o Banco Central elevou a taxa básica de juros, a Selic, duas vezes no ano, passando de 11,25% para 12,25%. Assim, o BC pretende refrear o crescimento do crédito no país e conter o consumo. O governo também anunciou, na semana passada, um pacote de ampliação dos empréstimos agrícolas destinado a elevar a produção de grãos, dos 143 milhões da atual colheita para 150 milhões de toneladas. A medida tem o objetivo de reduzir o preço dos alimentos por meio de um aumento da oferta. Mas no uso de outras armas a seu dispor, no entanto, o desempenho oficial continua a dever. Uma delas refere-se aos gastos públicos. Ainda que em maio o ministro Mantega tenha anunciado que o governo fará um superávit primário adicional, reduzindo em 13 bilhões de reais seu cronograma de novos gastos, falta acelerar o corte das despesas já existentes. Os gastos públicos subiram 4% neste ano em termos reais (acima da inflação), e, nesse ritmo, continuam a jogar lenha na caldeira da alta dos preços. Combinados ao aquecimento do consumo privado (o maior em três décadas), eis que está montado um cenário nada róseo. Diminuir a pressão inflacionária exercida pelo setor público, portanto, seria um recurso lógico para compensar a alta dos preços externos. Outra ação eficaz seria estimular o ambiente de negócios no país, para assim aumentar os investimentos privados, essenciais à ampliação da capacidade produtiva e fundamentais para que os preços permaneçam sob controle. Mas aqui também o setor público peca. Ministros têm interferido em setores estratégicos, e cogita-se mexer em regras como a da exploração do petróleo. Além disso, as agências reguladoras, responsáveis por fiscalizar e intermediar a atuação do setor privado em áreas antes dominadas pelo estado, estão sofrendo com ingerência política e restrições orçamentárias.

Divulgação
Fábrica da Gerdau: regras instáveis inibem o setor privado de investir na elevação da oferta de bens e serviços

É, portanto, com sinais contraditórios que o governo vem tentando conter a amea-ça inflacionária. Por enquanto, a estratégia tem se mostrado eficiente, principalmente na comparação com o resto do mundo. Enquanto a inflação brasileira medida pelo IPCA (índice oficial) se aproxima de 6%, cinqüenta nações exibem hoje uma taxa de inflação superior a 10% ao ano. Isso significa que quatro em cada dez habitantes do planeta lidam com reajustes de preços de dois dígitos, um resultado de políticas populistas ou de lassidão monetária, com taxas de juros reais (descontada a inflação) não raro negativas. Trata-se de um quadro distinto daquele visto no Brasil, cujo governo ministra uma das maiores taxas de juros reais do mundo. Uma exceção nacional ao rigor monetário é o BNDES, banco oficial que mantém sua torneira de dinheiro aberta, ao emprestar recursos a uma taxa de 6,25% ao ano, abaixo da inflação esperada para este ano. O governo alega que a política de crédito do BNDES não atrapalha o combate à inflação – ao contrário, estimularia a produção de bens, reduzindo ainda mais os preços. Economistas ligados ao ministro Mantega lembram ainda que, entre os países que adotam o regime de metas de inflação, apenas no Brasil e no Canadá o reajuste de preços ainda está dentro do limite de tolerância. Isso seria uma constatação de que estaríamos entre os mais severos no combate aos preços. É verdade. Mas não toda a verdade. A inflação só não é maior no Brasil, entre outros motivos, porque a desvalorização do dólar diante do real compensou, em parte, o avanço nas cotações internacionais das commodities. Segundo estimativas do Banco Central, em 2007, se não fosse a ajuda do câmbio, a inflação teria ficado em 5,58%, em vez dos 4,46% registrados (a meta, lembre-se, é de 4,5%, com tolerância até 6,5%).

A história brasileira é pródiga em exemplos do custo para toda a sociedade de não se combaterem a tempo os surtos inflacionários. Em um passado recente, manter a inflação elevada não era apenas uma barbeiragem monetária. Era também uma manobra patrocinada pelo próprio governo para sustentar sua gastança – uma perversidade que, ao fim, devorava a riqueza do país e concentrava a renda. Hoje, felizmente, todos (ou quase todos) entendem o perigo de repetir erros da história recente. Ou seja, é melhor não culpar somente o "feijãozinho".



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