Paulo Ghiraldelli Jr.
Terceiro mandato? O Estadão tem mostrado que há uma tendência entre os governantes da América Latina de sonhar com a reeleição. Hugo Chávez não vai fazer escola como viúva de Fidel Castro, pois ninguém mais quer saber de comunismo ou socialismo não-democrático, mas poderá influenciar outros colegas por algo bem mais atrativo: o continuísmo.A conjuntura mundial ajuda a América Latina a se imaginar menos pobre do que é e ilude todos os que querem ser iludidos - e quem não quer, não é? Então, não é difícil ver aqui e acolá alguns governantes, que estão grudados nas suas cadeiras também se iludirem. Pensam que não são tão ruins quanto verdadeiramente são e atribuem os índices de popularidade a si mesmos, e não ao contexto favorável em que vivem. Até os que prometeram que não seriam mais candidatos estão com uma terrível vontade de ver a população dizer que “em time que está ganhando não se mexe”. Isso vale para o Brasil?
Lula vai jurar que isso não vale? Mas, entre quatro paredes, ele sabe que o PT não faz o sucessor. E sabe perfeitamente que, mantidas as condições atuais, só ele poderia salvar o PT não só da derrota eleitoral, mas de uma derrota que poderá ter implicações mais amplas. Pois, afinal, o desmando na administração pública continua e outro presidente pode não conseguir pôr tantos panos quentes quantos serão necessários para aplacar a vingança de várias pessoas que não foram bem tratadas pelo atual governo. E não é da oposição do PSDB que os governantes atuais devem ter medo no futuro. Nem mesmo dos mais à direita. Nem da extrema-direita, essa que fica fomentando preconceitos contra Lula em círculos de ricaços embalados pela falsa propaganda de si mesmos, pela qual se acham cultos diante de um presidente meio casca-grossa. O que pode acontecer com o PT fora do poder é outra coisa. Nossa sociedade não é mais tão controlável quanto Leonel Brizola imaginava que era. Pessoas simples podem estar guardando trunfos diante de um governo que não se poupou de escândalos.
Por espontânea atuação de simples funcionários, aqui e acolá, a reação pode vir de uma forma que os petistas vão chamar - sem corar - de “revanchismo”. Pois muita gente que amava o PT ficou magoada com Lula e com o que esse governo fez com ideais caros a elas.
Não estou dizendo que o governo do PSDB recebia bem as pessoas e que o do PT é mais fechado e recebe mal. Não! Estou dizendo que as pessoas em geral jamais acreditaram que um homem como Fernando Henrique Cardoso - e toda a sua equipe - iria ouvi-las. O príncipe dos sociólogos era príncipe do Plano Real, e assim ungido governou o Brasil. Mas com Lula foi diferente. Um número grande de pessoas realmente esperou a democratização do poder, a ampliação da participação popular. E o que veio foi a “república dos companheiros”. Isso foi decepcionante - para muitos.
O que é a “república dos companheiros”? Simples: trata-se de uma geração de sindicalistas pouco competentes e petistas já transformados em funcionários do partido, e alguns nunca foram nem militantes. De fato, essas pessoas que foram ocupando cargos aqui e ali nos Ministérios de Lula são uma lástima. A cada caso de corrupção o partido foi montando um novo governo, até o ponto de chegar a este que está aí. E isso aí é algo que não é nem de esquerda nem de direita, é apenas o rebotalho tentando se agarrar a um primeiro ou segundo emprego público. E é esse conglomerado que pode acabar definindo as coisas.
Há um Ciro Gomes, um José Serra e outros por aí com ambições presidenciais. Certamente, legítimas. Será, todavia, que a “república dos companheiros”, metade por medo do “revanchismo” e a outra metade por não conseguir mais viver em patamares financeiros do passado recente, vai concordar com o que Lula vem dizendo, que não será candidato e vai sossegar lá em São Bernardo?
No Brasil há um problema com os ex-presidentes. Eles não se preparam para deixar o poder e isso os faz extremamente nocivos à sociedade. Nos Estados Unidos os presidentes criam projetos sociais e aproveitam sua popularidade específica para, uma vez fora da Presidência, servirem à sociedade. No Brasil, não. Os presidentes, aqui, querem mais e mais anos, mais e mais mandatos, o que nos faz pensar que são pessoas vazias, incapazes de voltar para casa e, então, ser felizes dirigindo fundações que poderiam beneficiar jovens, por exemplo. Nossos ex-presidentes não atuam socialmente. Quando criam fundações, são inexpressivas. São como reizinhos, querem continuar com o entourage e anseiam ter tanto poder quanto tinham antes.
Essa síndrome, que pegou José Sarney, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, não poderia também pegar Lula? Afinal, reeleição ele já quis. Falta agora querer o terceiro mandato. Voltar para o partido? Mas que partido? O PT acabou. Sem Francisco Weffort o partido ficou ruim. Sem José Dirceu o partido deixou de ser uma agremiação política. E agora, se empossam José Dirceu de novo, não dá mais! Quem se filiaria a um PT sem moral e longe do poder?
Tudo isso faz a meninada da “república dos companheiros” pôr as barbas de molho. Estão como a direita em 1985: a rapadura vai acabar e ninguém mais quer voltar para os quartéis, pois nos quartéis não há mais charme, não se faz mais política lá. E então, como ficamos? Vão sair por aí carregando uma Dilma Rousseff nas costas, uma desconhecida, para substituir um homem com a popularidade de Lula? Duvido. Vão entregar mesmo a rapadura, assim, sem mais? Quem acredita nisso, agora, após o “mensalão”? É difícil ouvir Lula e acreditar nele após o “mensalão”. Eles, os da “república dos companheiros”, não sabem bem o que fazer, mas que estão pensativos, ah, estão, sim. E quando eles pensam nunca vem boa coisa.