Zuenir Ventura
Quando já se apresenta no início como farsa, a História se repete como paródia depois. A sessão do Senado que livrou Renan Calheiros da cassação reedita, sob vários aspectos, a reunião do Conselho de Segurança Nacional que numa sexta-feira, 13, de 1968, promulgou o AI-5 para, em nome da democracia, reforçar a ditadura. Os tempos eram outros, os personagens também, mas são dois daqueles momentos em que a subserviência, o cinismo e o medo se unem para produzir um desses espetáculos que de vez em quando enchem de vergonha a nação.
Há muito em comum entre eles, a começar pelo rito secreto, que acabou sendo uma tentativa inútil, patética, de esconder fins escusos como se fossem seitas.
Na época, demorou muito, duas décadas, para se descobrir o que haviam registrado os dois gravadores que estavam sobre a mesa comandada pelo ditador. No Senado, foram proibidos gravadores, laptops, celulares, mas não será preciso tanto tempo para se saber quem traiu, se acovardou, se omitiu ou se vendeu. Já provocou desconforto a revelação de certos diálogos ameaçadores entre o presidente e alguns de seus colegas mais rebeldes.
Uma foi acusada de sonegação; outro, de misturar o público e o privado, empregando a mulher no gabinete.
Os jornalistas que cobrem a casa sabem, nem sempre podendo provar, das concessões e dos favores que amaciaram uns e conseguiram o voto de outros. Foi um festival de rabos presos numa instituição que não foi capaz de cumprir a mais elementar obrigação ética de qualquer clube ou associação: um diretor sob suspeita se afasta para não constranger os que vão julgá-lo.
A diferença é que em 68 havia uma ditadura, e os 22 ministros (só o vice Pedro Aleixo resistiu) tinham como álibi para a humilhante submissão a ideologia ou o medo dos militares.
Agora, não. A maioria dos 40 que livraram a cabeça de Renan agiu por interesses fisiológicos. Diante da decretação inevitável do arbítrio, um dos homens de Costa e Silva pronunciou, resignado, a célebre frase: “Às favas todos os escrúpulos de consciência!” Desta vez isso não precisou ser dito para ser feito, até porque escrúpulos e consciência não eram mercadorias abundantes no recinto.
Mais uma vez a sociedade sentiu-se impotente diante do que não viu, mas soube. “Afronta”, “nojo”, “escárnio”, o que mais? As palavras não dão conta de certos gestos e atitudes. Senadores falando em “povo” e “interesse do país” para justificar seus votos pela absolvição é sintoma de que vivemos uma grave crise semântica.
A corrupção não é só moral, mas também verbal. Muitos políticos não se contentam em avançar sobre o bem público; entregamse igualmente à prática da apropriação indébita do sentido das palavras. E, como disse o poeta Octavio Paz, um país começa a se degradar quando a linguagem se corrompe.
Entrevista:O Estado inteligente
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