Em sua arrogância, o senador parece menosprezar ou desconhecer três fatos de grande significado prático. Primeiro, a salvação de seu mandato não foi obra somente de sua habilidade política e de sua capacidade de pressionar ou de influenciar seus pares. A intervenção do Executivo foi decisiva e isso não é segredo para ninguém.
Segundo, o embate de quarta-feira foi algo mais que um confronto entre oposição e situação. Sua permanência na presidência do Senado é contestada não só por oposicionistas, mas também por senadores do PMDB, do PSB e do PDT, legendas aliadas do governo.
Terceiro, a votação dividiu o Senado em duas partes praticamente iguais. Uma divisão como essa torna extremamente incerta a mobilização de forças para a aprovação de qualquer emenda constitucional, que exige maioria de três quintos - e é esta a natureza dos projetos de renovação da CPMF e da DRU.
Se permanecer na presidência da instituição, o senador Renan Calheiros criará dois obstáculos à aprovação dessa proposta. O primeiro e mais importante será a própria dificuldade de pôr em votação qualquer projeto de grande interesse para o governo. Os adversários de sua permanência no posto deixaram clara a intenção de impedir a votação de qualquer proposta desse tipo. Não conseguiram seu afastamento durante a tramitação do processo por quebra de decoro. Mas continuam com razões mais que suficientes para exigir seu afastamento e prometem não desistir.
O segundo obstáculo será a dificuldade para mobilizar votos a favor da proposta de emenda à Constituição. Mesmo em circunstâncias diferentes a disputa no Senado seria muito mais difícil do que na Câmara dos Deputados, onde a maioria governista é bem mais folgada. No atual ambiente de radicalização, negociar apoio ao projeto governamental será muito mais complicado, tanto pela resistência de importantes setores da sociedade quanto pela animosidade gerada pela atitude do senador Renan Calheiros.
"Deus não me deu o dom da desistência", disse o senador na quinta-feira, numa entrevista à Rádio Gaúcha. Com declarações desse teor, ele tem respondido não só aos adversários, mas também aos aliados e defensores de seu mandato. Também estes, a começar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ficariam certamente muito mais satisfeitos se o presidente do Senado renunciasse ao cargo ou pedisse licença, deixando a cadeira para o vice, Tião Viana (PT-AC). Este já previu "profundas dificuldades" para a aprovação do projeto da CPMF e da DRU.
Em sua viagem pela Escandinávia, o presidente Lula manifestou, mais de uma vez, o interesse do governo em ver restabelecida a normalidade no Senado para a tramitação de projetos considerados prioritários. Numa entrevista concedida logo depois de salvo o mandato do senador Renan Calheiros, o presidente referiu-se ao processo de cassação como um assunto iniciado e concluído no âmbito do Senado, sem envolvimento, portanto, do Executivo. Cometeu duas imprecisões. Para começar, o Executivo interveio, de fato, para conseguir um resultado favorável ao senador aliado. O segundo envolvimento foi involuntário. A arrogância e a teimosia do senador Renan Calheiros fazem o problema interno do Senado transbordar e atingir o Executivo, com a criação de mais um obstáculo à aprovação de projetos de interesse do governo.
O senador Renan Calheiros não pode alegar ignorância das prioridades do governo nem do interesse do Executivo em vê-lo afastado pelo menos temporariamente do cargo. Talvez o próprio presidente Lula acabe sendo forçado a recordar-lhe esses fatos pessoalmente. Mas desse incômodo, pelo menos, ele não poderá culpar a oposição.