Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 01, 2007

Rabos presos Merval Pereira

O Senado está à beira de cometer um suicídio político no processo de quebra de decoro parlamentar contra seu presidente, o senador Renan Calheiros, se se concretizar a tendência de absolvê-lo no voto secreto no plenário. O vigor e a persistência com que sua tropa de choque pratica chicanas vulgares para protelar o julgamento do Conselho de Ética mostra que eles se consideram majoritários dentro do Senado, ainda sob o comando de Calheiros, que quebra um atrás do outro os limites éticos, interferindo na tramitação de seu processo sempre que possível.

O episódio do parecer da assessoria jurídica justificando o voto secreto no Conselho, afinal derrubado pela maioria dos seus membros, é apenas mais um exemplo de como Calheiros tenta, da cadeira da presidência, interferir no seu próprio processo, o que, por si só, ensejaria um outro processo por quebra de decoro. Na quinta-feira, quando foi derrotado na Comissão de Ética, dois episódios mostraram a falência do nosso sistema eleitoral, razão pela qual ainda é possível, por mais espantoso que pareça, que Renan Calheiros venha a ser absolvido pelo voto secreto no plenário do Senado.

Na Comissão de Ética, o senador sem voto Wellington Oliveira, da tropa de choque de Calheiros, pediu vistas do processo nem mesmo sua leitura tendo sido terminada, numa clara demonstração de que queria apenas adiar a decisão, mesmo que por poucos dias. No plenário do Senado, o próprio Renan Calheiros presidia a sessão para receber um outro senador sem voto, o suplente Euclides de Mello, parente de Fernando Collor, que exercerá o mandato pelos próximos seis meses, num acordo regional alagoano.

Renan Calheiros reinava absoluto no Senado, elogiando o novo senador “das Alagoas”, que, por sua vez, enaltecia a obra política de seu primo e do própio Renan, sob as vistas de uma audiência festiva nas galerias, vinda de Alagoas para participar da pantomima.

Esse monopólio da política pelos profissionais da política é uma distorção denunciada pelo sociólogo Pierre Bourdieu, um modo artificial de pensar exigido para os querem participar do mundo político.

Para tal, é preciso dominar certos códigos próprios, se submeter “aos valores, às hierarquias e às censuras inerentes a esse campo ou à forma específica que suas obrigações e seus controles revestem no seio de cada partido”, lamenta Bourdieu.

Há entre os políticos “um contrato tácito” que implica reconhecer esse jogo “pelo próprio fato de que vale a pena ser jogado”. Por isso, Bourdieu considera a representação política uma luta, com regras próprias, pela conquista de poderes, o que alijaria do jogo o cidadão comum.

Essa atitude desligada da vida real é o que estaria distanciando cada vez mais a sociedade dos políticos, e é a responsável pela crise institucional que a atividade política vive no país.

A sociedade civil global que está se formando, segundo a definição de outro sociólogo, Manuel Castells, da Universidade Southern Califórnia, nos Estados Unidos, tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa. Essa nova maneira de encarar o mundo em que vivemos, tentando preencher o que Castells define de “vazio de representação”, a fim de legitimar a ação política, é o que faz surgir “mobilizações espontâneas usando sistemas autônomos de comunicação” e, em conseqüência, enfraquece a democracia representativa formal dos partidos políticos e dos parlamentos.

Segundo ele, “a crise de governança está relacionada com uma crise fundamental, de legitimidade política, caracterizada pelo distanciamento crescente entre cidadãos e seus representantes”.

É essa a percepção que se agiganta a cada dia no Senado, onde a sobrevivência política de Renan Calheiros é um mistério para o comum dos mortais, mas tem explicações de que até Deus duvida.

Sugere que vivem no Senado personagens de um livro infantil da escritora Ruth Rocha, “os homens de rabos presos”.

Uma cidade chamada Egolândia tem um prefeito chamado Egomeu, e grande parte da população tem os rabos presos entre si. E os rabos começam a se enroscar nas pontas uns dos outros.

Fora da ordem

A discussão pública em que diversos ministros do Supremo se meteram por conta dos comentários de um deles fere a Lei Orgânica da Magistratura, que veda qualquer comentário fora dos autos sobre um processo.

As opiniões do ministro Lewandowski, suas posteriores tentativas de esclarecimentos, a ameaça de processo do ministro Eros Grau, os comentários de outros vários ministros negando que tivessem votado “com a faca no pescoço”, todas essas manifestações estão fora da ordem legal.

Apenas o pronunciamento oficial da ministra Ellen Gracie, como presidente do Tribunal, está dentro dos procedimentos normais previstos para o Supremo.

O ministro Lewandowski está numa situação delicada.

Daqui para frente, qualquer voto seu, no processo do mensalão, estará contaminado pelo germe da desconfiança.

Sua imparcialidade foi posta em xeque. Para salvaguardar o STF, melhor seria que se declarasse suspeito para prosseguir no processo, alegando “motivo íntimo”.

No quinto parágrafo da coluna de ontem cometi um erro na frase “(...) porque o ministro atribui a decisão do Supremo de ter condenado todos os acusados no caso do mensalão (...).

Como se sabe, e eu mesmo já escrevi, o STF não condenou ninguém, apenas recebeu a denúncia do Procurador-Geral da República, reconhecendo que há um suporte probatório mínimo para instauração do processo criminal.

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