Lá das lonjuras onde se encontra, nesta sua nova viagem, o presidente Lula já havia dado a senha "ética" orientadora, ao declarar que a absolvição de Renan não produziria nenhum trauma, como já fizera, aliás, nos primórdios do mensalão, quando, em Paris, concedera estranha entrevista a jovem amadora do jornalismo, na qual "esclarecia" que aquilo (mensalão) sempre existira no País. Foi, portanto, obedecendo ao comando do presidente da República que atuaram influentes líderes petistas na sessão secreta do plenário do Senado, decidindo a parada e decepcionando os que ainda teimavam em acreditar numa reabilitação da imagem da Câmara Alta.
Talvez por causa da clandestinidade da sessão, por um lado, os 18 discursos de oposicionistas, contra Renan Calheiros, foram menos contundentes do que o habitual, enquanto, por outro lado, a líder do governo, senadora Ideli Salvatti, animou-se a defender o indigitado presidente da Câmara Alta com uma veemência até então não exibida. Mas o grande "diferencial" propiciado pela sessão secreta - e os partidários de Calheiros bem o sabiam, quando insistiram na ocultação à sociedade -, além da atuação mais desinibida da líder governista, foi o corpo a corpo desabrido do senador Aloizio Mercadante, na tentativa, muito bem-sucedida, aliás, de convencer seus correligionários petistas a votar em favor de Renan - ou a se degradarem com uma abstenção inadmissível num caso como esse. Tudo isso, e mais a chantagem explícita que fez Renan Calheiros, em seu discurso final, fazendo insinuações sobre alguns de seus companheiros - com o notório objetivo de intimidar uns e outros, ameaçando divulgar seus segredos comprometedores -, constituiu-se num espetáculo deprimente para os brasileiros de bem e humilhante para o Senado da República.
Mas à sociedade brasileira só foi possível assistir a esse espetáculo de forma abstrusa, com o auxílio de alguns poucos deputados federais (do já chamado exército de Brancaleone) que, munidos de liminar de mandado de segurança concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e depois de enfrentar a baixaria da pancadaria, para adentrar ao recinto do plenário da Câmara Alta, se tornaram os olhos e ouvidos da cidadania barrada. Quer dizer, a sociedade brasileira teve que espiar pelo buraco da fechadura cenas da vida política que poderiam ser comparadas com atos obscenos que só as fechaduras desvendam.
Tudo leva a crer que tenha havido uma negociação concreta para a obtenção daquelas 6 salvadoras abstenções - e o senador Mercadante nem sequer enrubesceu ao declarar que fora um dos que se abstiveram de votar. É bem possível que, para evitar represálias oposicionistas que dificultem a aprovação da prorrogação da existência da galinha dos ovos de ouro do governo - a famigerada CPMF e seus R$ 38 bilhões -, tanto quanto para evitar a precipitação de um imprevisível processo sucessório em uma Casa Legislativa literalmente rachada, o governo já tenha em cobrança uma fatura de licença de Renan da presidência do Senado, o que deixaria como substituto o companheiro vice-presidente Tião Viana (PT-AC).
Que se tire o cavalo da chuva, porém, quanto à possibilidade de Renan Calheiros sair-se pior nos outros processos que enfrenta no Conselho de Ética - o de tráfico de influência em favor da cervejaria e o do uso de "laranjas" na obtenção de concessões públicas -, assim como nos que decorram de outras denúncias, como as que têm pululado semanalmente. A senha presidencial já foi devidamente captada.
"Pode haver gente igual a nós. Melhor, não", disse Lula no discurso já citado do Congresso do PT. No Senado, ficou claro que há gente melhor, sim. Mas a "igual à gente" é majoritária.