Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 14, 2007

Réquiem para o Senado

João Mellão Neto


Foi, sem sombra de dúvida, o momento mais execrável de toda a história do Senado da República. Que dizer? Invejar Ali Babá por ter enfrentado apenas 40 ladrões? Pois deste lamentável escrutínio se sobressaíram 46. Os que inocentaram o réu e mais meia dúzia que sabia de antemão que, ao optar pela abstenção, estaria, na prática, engrossando o contingente da vilania e da canalha.

A República romana se encerrou assim, melancolicamente. O povo, já totalmente desencantado com a venalidade e a falta de credenciais morais dos membros do Senado, optou por entregar seu destino a Júlio César. Um complô, articulado por senadores, acabou por assassiná-lo, mas sua eliminação física de nada adiantou. Nos corações e mentes dos cidadãos já estava enraizada a idéia de transformar Roma num império. Consta que alguns tribunos ainda tentaram alertar as massas para o risco potencial de se entregar todo o poder ao arbítrio de um homem só. Tiveram como resposta o argumento de que preferiam a eventualidade de serem consumidos por um único leão à certeza de serem devorados por várias dezenas de ratos. A República havia desmoronado. E ninguém lamentou seu fim.

A, sob todos os aspectos, vexatória e injustificável absolvição do presidente do Senado não é, como acreditam muitos dos poderosos do Planalto, o marco de um recomeço. É uma missa de réquiem, é o lúgubre dobre dos sinos que se dá quando um cortejo fúnebre adentra a capela de uma necrópole. Vela-se o cadáver de quem? O da democracia - ao menos aos olhos daqueles que a tinham como um regime perfeito, que se aperfeiçoava por si própria a cada novo impasse ou problema que se apresentava.

A nós só cabe lamentar que seja assim. Uma legítima instituição democrática, num processo também impecavelmente legítimo, cometeu um erro gravíssimo, o que, no pensar de muitos, demonstra que o regime democrático não é desprovido de máculas, que seus freios e contrapesos por vezes falham e que nele ocorrem situações em que os interesses inconfessáveis de uma ínfima minoria acabam por se impor, à força, sobre a vontade geral. Episódios reles como este aguçam em muitos a tentação totalitária. A idealização de um regime de força que, sob a égide de um tirano esclarecido, conquiste as massas, acenando-lhes com sua determinação de limpar de vez, e para sempre, as fétidas cavalariças de Áugias.

Na 2ª Guerra Mundial, no que ficou conhecida como a Batalha da Inglaterra, não mais que três centenas de pilotos britânicos lograram salvar Londres da total destruição, sob os ataques de mais de mil bombardeiros nazistas. O primeiro-ministro Winston Churchill, sobre o fenômeno, declarou que "nunca tantos deveram tanto a tão poucos".

A História se repete agora, com sinais trocados, no Brasil. Nunca tantos se desencantaram tanto com tão poucos... Quatro dezenas e meia de tribunos da Câmara Alta - além, é claro, do próprio réu -, uma vez protegidos pelo anonimato que lhes garantiu a votação e até mesmo a sessão secreta, simplesmente mandaram às favas seus princípios e escrúpulos, tripudiaram sobre os milhões de cidadãos que os elegeram e, contrariando todas as provas e evidências apresentadas, optaram pelo mais abjeto dos compadrios e livraram do justo castigo o nefasto colega.

Confesso-me um ingênuo. De tanto estudar a biografia de grandes homens, eu imaginava que a função moldava o indivíduo. Quanto mais elevado o cargo que o cidadão assumia, mais ele se imbuía de suas responsabilidades e mais grandeza adquiria. A mesquinhez, a tacanhice, o pensar pequeno, a meu ver, eram atributos exclusivos daqueles que nunca galgaram posições minimamente destacadas na vida pública. Qual o quê! O episódio de quarta-feira demonstra cabalmente que até mesmo digníssimos senhores senadores da República, todos eles vencedores de eleições majoritárias - ou seja, agraciados com a maioria dos votos de confiança dos cidadãos de seus Estados -, são capazes de descer ao nível de pequenez e baixeza do mais desprezível vereador de cidade pequena.

Já se propalou, na imprensa, que esta é a pior legislatura do Senado em toda a sua história. Contribui para sua mediocridade o fato de que nada menos que 16 de suas 81 cadeiras estão sendo ocupadas por suplentes, ou seja, pessoas que não receberam nenhum voto, mas lá estão porque seus titulares assumiram outros postos. Eles não têm nenhum laço de confiança com os eleitores e não cultuam a veleidade de virem a ser reeleitos. Que grau de compromisso com a coisa pública se pode esperar de cidadãos desse naipe?

Não são poucos, também, aqueles que, provenientes de Estados recentemente guindados a essa condição, têm um eleitorado ainda não consolidado e imaturo politicamente, o que proporciona excelentes oportunidades para que aventureiros venham a ter sucesso nas urnas.

Em razão de tudo isso, nunca nutri grandes expectativas quanto à sabedoria política e à ponderação que, como Casa revisora, é o que minimamente se espera em sistemas democráticos em que o Poder Legislativo é bipartido. Mas, mesmo com todo o meu ceticismo, não imaginava que a degradação moral e de costumes da Câmara Alta chegasse ao ponto a que chegou.

Não culpemos todos. Eles são 46. Mas compõem, juntos, a maioria da Casa. E isso é o bastante para desacreditá-la quase por completo perante a opinião pública.

Eticamente falidos, anões morais, arremedos de estadistas, simulacros de homens públicos, essa gente já garantiu para si e perante a História o epíteto de "os 46 infames". E que nossos filhos e netos jamais se esqueçam deste nefasto 12 de setembro de 2007 - o dia em que o Senado, por opção majoritária de seus membros, não hesitou em mergulhar na pocilga e nela chafurdar na desonra.

Vergonha!

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