Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 20, 2007

O MEC acorda tarde



editorial
O Estado de S. Paulo
20/9/2007

O sistema de compra de livros didáticos adotado pelo Ministério da Educação (MEC) continua apresentando gravíssimos problemas. Terreno fértil para a corrupção, sujeito aos lobbies de editores e, principalmente, amplamente infiltrado pela “esquerda festiva”, ele se caracteriza pelo enviesamento ideológico nos critérios de escolha e pela falta de controle em sua distribuição, a ponto de obras rejeitadas por especialistas contratados pelo próprio governo continuarem sendo livremente utilizadas em salas de aula. É esse o caso da coleção Nova História Crítica de autoria de Mário Schmidt, que apenas entre 2005 e 2007 foi distribuída a 750 mil estudantes da rede pública - submetidos, assim, a autêntica “lavagem cerebral”.

A coleção foi aprovada com ressalvas pelo Programa Nacional do Livro Didático, em 2000. Na reavaliação dos títulos a serem adquiridos em 2005, os professores contratados para definir o Guia do Livro Didático a rejeitaram, criticando-a por sua “visão maniqueísta e simplificada dos processos sociais”. A coleção voltou a ser reprovada na escolha dos livros a serem comprados pelo MEC entre 2008 e 2010, desta vez sob a alegação de que contém erros conceituais, falhas de informação e incoerência metodológica.

Apesar do veto a novas aquisições, em 2005, e de sua exclusão do Guia do Livro Didático de 2008, a Nova História Crítica continuou sendo distribuída pelo MEC. Só este ano, já foram enviados 89 mil exemplares da coleção a escolas públicas. O governo gastou R$ 12 milhões com uma obra que, pela quantidade de imbecilidades e grosseiras falsificações da história que contém, jamais deveria ter entrado numa sala de aula.

Alguns parágrafos dão o padrão da sua “qualidade”. O quadro de Pedro Américo, por exemplo, retratando a Proclamação da Independência, é comparado a “um anúncio de desodorante, com aqueles sujeitos levantando a espada para mostrar o sovaco”. D. Pedro II é um “velho, esclerosado e babão”. A princesa Isabel é uma mulher “feia como a peste e estúpida como uma leguminosa” e o Conde d’Eu é um “gigolô imperial” que enviava meninas paraguaias para os bordéis do Rio de Janeiro. “Quem acredita que a escravidão negra acabou por causa da bondade de uma princesa branquinha, não vai achar também que a situação dos oprimidos de hoje só vai melhorar quando aparecer algum princezinho salvador?”

Por outro lado, Mao Tsé-tung é apresentado como um “grande estadista” que “amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido”. A Revolução Cultural Chinesa é descrita como “uma experiência muito original” onde, “em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes”. A ditadura de Fidel Castro é elogiada a começar pelos fuzilamentos no paredón. A derrocada da União Soviética é atribuída aos profissionais com curso superior, por terem “inveja” da classe média dos países desenvolvidos. “Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias.”

As distinções ideológicas também são um primor. O capitalismo é definido como o regime econômico onde “terras, minas e empresas são propriedade privada” e “as decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal”, enquanto no socialismo “terras, minas e empresas pertencem à coletividade” e “as decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à toda a população”. A verdade factual é desprezada pela obra, que em momento algum se refere aos milhões de assassinados pelo regime de Mao, ao arquipélago Gulag do regime soviético e ao fracasso do socialismo e do comunismo.

Diante de tanta desonestidade intelectual, custa crer que o MEC só tenha se manifestado sobre o problema após a publicação de artigo do jornalista Ali Kamel, do jornal O Globo (reproduzido na página A2 desta edição), comentando a obra.

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