Sem o risco de sofrer sanções, era inevitável que as corporações do funcionalismo público continuassem agindo de modo irresponsável. Na quarta-feira, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) promoveu uma paralisação geral em todo o País para pressionar o Congresso a aprovar a criação de um piso nacional de R$ 900 para os professores que têm diploma para o ensino médio e de R$ 1.100 para os que têm diploma de ensino superior, para uma carga de trabalho de 25 horas semanais. O Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação prevê um piso de R$ 850 para uma jornada de 40 horas semanais para os professores do ensino médio, sem menção ao ensino superior. No mesmo dia, os fiscais agropecuários também cruzaram os braços e o Ministério da Agricultura divulgou nota lembrando que, por ordem judicial, a categoria tem de manter um porcentual de técnicos trabalhando em abatedouros e frigoríficos.
O maior abuso está sendo cometido nas universidades federais, onde os servidores técnico-administrativos completaram três meses de greve sem sofrer corte de ponto. São 75 mil servidores de braços cruzados distribuídos por todo o País, recebendo salários normalmente. O Ministério do Planejamento mandou descontar os dias não trabalhados, mas os reitores, que apóiam os grevistas, descumpriram a ordem.
Enquanto isso, pesquisas científicas estão interrompidas. O mesmo acontece com o atendimento à população carente nos hospitais universitários. Compra de livros, expedição de diplomas e registros de aulas de graduação e pós-graduação também estão suspensos. Como em todas as demais corporações do funcionalismo público, os servidores técnico-administrativos das universidades federais reivindicam aumento de salário e planos de carreira, enfatizando as "características especiais" de seu trabalho. O governo se recusa a atender a esse pleito porque sabe que, se ceder, outras categorias do funcionalismo federal cruzarão os braços para exigir as mesmas vantagens, invocando o princípio da isonomia.
Nada disso estaria acontecendo se a greve no setor público já estivesse disciplinada por lei complementar, como prevê o artigo 37 da Constituição. Como nada foi feito nesse sentido, o funcionalismo recebe os dias parados, não repõe as horas não trabalhadas e não responde por qualquer prejuízo. Em outras palavras, os servidores se aproveitam da estabilidade no emprego e da ausência de sanções administrativas para fazer refém a coletividade, com greves inconseqüentes e irresponsáveis. Há, por exemplo, órgãos públicos que entram em greve em todos os anos ímpares e ficam parados pelo menos 90 dias.
Entre 2003 e 2006 ocorreram mais de 500 paralisações nos serviços essenciais da União. As greves realizadas no INSS e na rede médico-hospitalar puseram em risco a sobrevivência, a saúde e a segurança de aposentados, pensionistas, gestantes e trabalhadores. As paralisias na Receita Federal, Polícia Federal, Banco Central e agências reguladoras, como a Anvisa, impediram a distribuição de medicamentos de uso contínuo, a liberação de insumos importados para as empresas e a expedição de certidões negativas, dificultando negócios em todo o País.
O grevismo no setor público é um problema antigo que só será superado quando os governantes tiverem coragem de usar instrumentos jurídicos para impor sanções efetivas contra os servidores faltosos. No primeiro semestre, parecia que o presidente Lula e o ministro Paulo Bernardo estavam com essa coragem. Hoje, é claro que não estavam.