O ministro Lewandowski, que, por uma característica pessoal de distração que já está parecendo crônica, propiciou à mídia exacerbar seus poderes de big brother de forma absolutamente inédita na história das proezas jornalísticas - a saber, a foto a longa distância de uma tela de notebook e a captação também a distância de uma longa conversa de celular em meio a ruídos de badalado restaurante brasiliense em noite de show -, afirmou que a mais alta Corte de Justiça do País decidira no julgamento de admissibilidade da denúncia do procurador-geral da República, relativa aos crimes dos "mensaleiros", sob a coação da imprensa. Os magistrados do Pretório Excelso, disse ele, que até então "tendiam a amaciar para Dirceu", mudaram para a tendência de endurecer porque estavam "com a faca no pescoço".
Aproveitando, imediatamente, com a esperteza do costume, a "deixa" do ministro Lewandowski, o ex-ministro José Dirceu, em entrevista coletiva convocada para se defender das acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha, dizendo-se "perplexo, estupefato e quase em pânico", brandindo na televisão o exemplar da Folha com a manchete do "amaciamento", afirmou, peremptoriamente, que o julgamento do Supremo Tribunal Federal estava "sob suspeição", por causa da pressão da imprensa, concluindo assim: "Estamos caminhando quase para a ditadura da mídia." O ex-ministro não explicou bem a razão desse "quase", dando a entender, no entanto, com o termo, que a ameaça da tirania midiática talvez ainda tenha condições de sofrer processo de reversibilidade. Pelo menos, reconhecendo que "os jornais são pluralistas", ele tacitamente admite que a ditadura que vê ameaçando o Brasil seria também "pluralista". O que não seria o caso de uma eventual ditadura do seu PT.
Já o ex-presidente da Câmara dos Deputados - e também réu mensaleiro - João Paulo Cunha, em noite de desagravo oferecida por companheiros numa emblemática pizzaria (com a importante participação da célebre coreógrafa e dançarina da "dança da pizza" a ex-deputada Ângela Guadagnin), atacou a mídia, citando nominalmente os grupos de comunicação do País e respectivas famílias controladoras, e dizendo que "todos esses grupos são internacionais" - o que, aliás, podemos garantir que não é o caso do Grupo Estado, que tem capital 100% nacional. Mas se percebe que Cunha extrapolou as reflexões de seus dois citados companheiros de teorização política-comunicológica para lhes dar amplitude internacional, o que talvez se baseie nas noções que possui de globalização e sistemas de comunicação online...
Antes de sermos informados, em fonte tão segura, que temos um poder que nunca suspeitamos, talvez porque nossa luta pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas está longe de ser vitoriosa, supúnhamos que a chamada "pressão" da imprensa significava, simplesmente, cobrança da opinião pública. Achávamos que a institucionalização da liberdade de imprensa, cujo marco inaugural foi a Primeira Emenda da Constituição norte-americana e sobre o que nossa Constituição deixa edificada a construção jurídica mais abrangente e detalhada, correspondia, plenamente, à evolução do Estado Democrático de Direito, porquanto a liberdade de expressão, informação e comunicação sempre foi ínsita à própria democracia, em sua acepção contemporânea. É neste sentido que a expressão "ditadura (pluralista) da mídia" nos parece uma verdadeira contradição de termos. Mas quem somos nós, que nem sabíamos que éramos aprendizes de ditadores, para achar que parece?