PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
4/9/2007 |
O ministro Nelson Jobim disse que a questão militar foi superada. Foi mesmo, mas nos seguintes termos: os militares ficaram com a última palavra, o ministro teve que recolher sua ameaça, e o Brasil engoliu mais uma nota do Alto Comando do Exército. Para os militares, não houve o que todos sabem que houve dentro dos quartéis: tortura e assassinatos de dissidentes do regime militar. As Forças Armadas hoje não ameaçam a democracia; não há clima, dentro ou fora dos quartéis, que faça o Brasil perder um minuto do seu sono com riscos de repetir o que houve nos anos 60. Duas coisas incomodam os militares: os soldos e o registro histórico dos crimes cometidos no passado pela corporação. Há fatos, comprovações, testemunhas e vítimas a confirmar que as Forças Armadas, especialmente o Exército, permitiram que nas suas dependências fossem cometidos crimes contra os direitos humanos, contra a dignidade da pessoa humana e contra o estado de direito. Mas o comandante do Exército, Enzo Peri, reuniu o Alto Comando para afirmar que "fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas". Ou seja, na visão dos generais, tudo é relativo. Democracia ou ditadura é uma questão de ponto de vista, de interpretação. A nota diz ainda que a instituição nunca mudou. "Não há Exércitos distintos." Não houve desvio de suas funções, não houve erro, nada a rever. No passado recente o Exército comandou um governo que, por 21 anos, desrespeitou as leis democráticas. Se o Exército é o mesmo de ontem, o quadro é assustador. Isso é ensinado aos jovens que entraram depois daqueles tempos nos quartéis. Os jovens oficiais e recrutas só podem concluir duas coisas: ou as Forças Armadas estavam absolutamente certas ao prender, torturar e matar os opositores, tomar o poder civil, impor atos institucionais, rasgar a Constituição, suspender direitos individuais, cassar políticos e os perseguir, aposentar ministros do Supremo, fechar o Congresso, censurar a imprensa e as artes; ou então o país está prisioneiro de um delírio coletivo imaginando fatos que nunca ocorreram. O pior papel coube ao ministro da Defesa. - Não haverá indivíduo que possa a isso reagir e, se houver, terá resposta - disse Nelson Jobim, referindo-se ao documento que oficialmente responsabiliza as Forças Armadas por crime durante a ditadura. O Alto Comando se reuniu, redigiu a nota e reagiu ao ministro. Jobim, diante da resposta, fez uma rápida manobra de recuo. Se era para recolher-se assim tão instantaneamente, o ministro da Defesa não deveria ter dito o que disse. A nota dos militares repete que a Lei da Anistia foi recíproca e que é parâmetro de conciliação. A Lei da Anistia é de 1979, plena ditadura. Isso foi anos antes de um sargento e um capitão terem ido ao Riocentro com o inequívoco propósito de jogar bomba em estudante. Quem poderia naquela época contestar os termos da "concórdia"? O que se falou na semana passada, no Palácio do Planalto, na divulgação do livro "Direito à memória e à verdade" é que os parentes dos mortos e desaparecidos têm o direito a enterrar seus restos mortais. Não é possível que, 22 anos depois de o último militar presidente ter saído do Planalto, a memória e a verdade continuem prisioneiras e que certos assuntos sejam intocáveis, sob pena de os comandantes militares soltarem mais uma nota reafirmando que estavam certos. Em 2004, no caso da divulgação das supostas fotos de Vladimir Herzog, o Centro de Comunicação do Exército divulgou uma nota justificando a tortura e o aparelho repressivo. Na visão expressa na nota, as Forças Armadas tinham feito um trabalho de pacificação nacional. "Dentro dessa medida, sentiu necessidade de criação de uma estrutura com vistas a apoiar, em operações e inteligência, as atividades necessárias para desestruturar os movimentos radicais e ilegais." Ou seja, os doi-codis foram a "resposta legítima", como disse a nota. O coronel João Batista Fagundes, representante das Forças Armadas na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, disse que a divulgação do livro gerou "inconformismo nos setores militares". Sugeriu que tudo seja tratado como nos livros de História: "Como se trata a Inconfidência Mineira e a escravatura." Esse é um ponto interessante. De fato já é História. Não seria aceitável que nos livros de História houvesse a defesa da perspectiva de Maria, a Louca, em vez da dos inconfidentes; ou que a escravidão fosse tratada do ponto de vista dos senhores de escravos. Da mesma forma, não se pode registrar lá que a ditadura estava certa. O pensamento dos militares é que eles reagiram à radicalização de grupos que agiam de maneira clandestina e ilegal. A verdade é que a radicalização foi precedida pelo fechamento de todos os canais de expressão normais na democracia. Mas, sobretudo, o erro institucional do Exército foi apossar-se do aparelho de Estado e cometer atos que são crime em qualquer país civilizado. A condenação é maior quando é o Estado que infringe a lei. Se os militares não entenderem o que fizeram de errado, duas décadas depois, o perigo continuará vivo. Não agora. Mas em algum momento no futuro. Os jovens militares estão agora sendo ensinados que aqueles crimes não foram crimes. Porque tudo é relativo e depende da ótica do protagonista. |
Entrevista:O Estado inteligente
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