Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 04, 2007

Merval Pereira - Recuo aparente





O Globo
4/9/2007

O subtexto da decisão do 3º Congresso Nacional petista sobre candidatura à sucessão de Lula é que a coalizão pode ter qualquer candidato, desde que seja do PT. O texto levemente flexível é uma tentativa de agradar ao presidente Lula e não interromper definitivamente já agora uma negociação política com a base partidária do governo. É uma maneira que encontraram, politicamente correta do ponto de vista do governo, de não fechar a questão neste momento, quando ainda faltam mais de dois anos para a definição das candidaturas. Mas é evidente que o PT pretende "liderar" a coalizão.

Seria realmente uma bobagem política lançar a tese de que o PT terá candidato próprio, e quem quiser que venha atrás. O presidente Lula fez muito bem em abrir os olhos do PT para o que representava a tese da candidatura própria que estava para ser aprovada no congresso. Mas isso não muda nada e, além disso, os aliados do governo não são bobos, sabem com quem estão tratando. Ninguém acredita que o PT, de uma hora para outra, mudou de DNA, e especialmente que o homem forte do partido, José Dirceu, será o líder da tese de que os petistas devem abrir mão de uma candidatura própria.

A aparente flexibilidade petista dá aos aliados um fôlego para continuarem fazendo parte da coalizão governista, usufruindo as vantagens inerentes a essa posição, fingindo que pode haver uma candidatura única, fingindo que acreditam que o PT é um partido que aceita abrir mão de uma posição hegemônica para dividir os espaços políticos.

Mas na verdade todos já estão se mexendo. O PSB já lançou Ciro Gomes, com o apoio do PDT e do PCdoB, e esse bloco de esquerda está dando mais um passo de unidade, lançando-se oficialmente para uma atuação conjunta no Congresso.

O PMDB já começa a insinuar que tem seus próprios candidatos, e joga com isso até mesmo para obrigar o PT a ser fiel na votação secreta sobre a quebra de decoro do presidente do Senado, Renan Calheiros. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, não foi visitar Calheiros em sua casa no fim de semana à toa, nem foi em nome do governo. Ao contrário, foi para mostrar ao governo que o PMDB está unido no apoio ao presidente do Senado. Pelo menos o PMDB do qual ele e Jobim fazem parte.

Não é bom o governo esquecer que Calheiros e Sarney foram os idealizadores da candidatura de Jobim a presidente do PMDB, e que a candidatura fez água porque o presidente Lula sinalizou que apoiava o grupo do atual presidente, Michel Temer, ao nomear Geddel Vieira Lima para o Ministério da Integração Nacional dias antes do pleito. Jobim demonstrou apenas uma fidelidade a Renan Calheiros, e ajudou a cobrar publicamente do governo um apoio concreto à sua absolvição.

E quanto mais for se aproximando o momento da definição, mais o PMDB vai voltar a se dividir, já que não há ninguém, muito menos Jobim, que una as diversas facções do partido. A maioria pode até fechar questão a favor da candidatura de Nelson Jobim, se até lá ele sobreviver à crise aérea, que vem tratando com competência, e não sobrevier uma crise militar, que ajudou a alimentar ao fazer uma bravata no lançamento de um relatório sobre os desaparecidos na ditadura militar.

Como é um político hábil, embora de ânimo arrebatado, Jobim fingiu que não foi desautorizado pela nota do comandante do Exército, e declarou-se contrário à revisão da Lei de Anistia, que era o que na verdade estava em jogo. Mas mesmo que Jobim venha a ter tanto sucesso no Ministério da Defesa que se torne um candidato viável à sucessão de Lula, não terá o apoio integral do PMDB, como nenhum candidato terá.

Sem Lula na corrida presidencial pela primeira vez desde 1989, a base do governo vai se dividir, e haverá várias candidaturas. Lula vai para sua sucessão em uma situação bastante confortável, tendo vários palanques para seu discurso e uma chance bastante razoável de emplacar dois candidatos de sua base num segundo turno.

Na verdade, a derrota de Lula na eleição de 2010 só será explícita se o candidato vitorioso for o atual governador de São Paulo, José Serra. Para isso, no entanto, Serra precisa primeiro ganhar a disputa dentro do PSDB com o governador de Minas, Aécio Neves, viabilizar-se como candidato e derrotar todos os demais aliados de Lula.

Embora no momento esteja mantendo uma relação amistosa com o governo, assim como todos os demais governadores, Serra é o único candidato de oposição que fará uma campanha eleitoral de confronto com o governo Lula e o PT. A derrota para Aécio será implícita, sutil, a oposição que o governador de Minas faz é de outro tipo, menos tensa.

Uma oposição que admite negociar com parcela do PT, um oposicionista que é objeto de desejo do próprio presidente Lula, que adoraria poder montar uma chapa tendo o neto de Tancredo na cabeça, provavelmente pelo PMDB, acompanhado por um vice petista, chapa que idealmente teria o apoio da maioria da coalizão governista, mas que é impossível de se concretizar.

Enquanto a característica de fazer política de Serra é o confronto, é a tensão, a de Aécio é a capacidade de unir diferentes tendências num grande arco de alianças políticas. Tanto Serra quanto Aécio, no entanto, têm posições semelhantes quando se trata da gestão eficiente do Estado.

Tanto um como o outro não hesitará em reduzir a máquina estatal inchada pelo corporativismo petista, inchaço que tira a competitividade e a eficiência do governo e retira do orçamento público dinheiro que deveria estar investido em saúde, educação, infra-estrutura.


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