Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 12, 2007

Míriam Leitão - Dois tempos



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
12/9/2007

O PIB do segundo trimestre, que será divulgado hoje, vai mostrar, de novo, a diferença das temperaturas entre a economia brasileira e a americana. O Brasil está colhendo bons números, como o que deve sair hoje confirmando que o país vai crescer em torno de 5% este ano. Nos Estados Unidos o medo é que a economia esteja escorregando para uma recessão. Se crescer, será 2%.

O Brasil cresceu menos que o mundo nos últimos anos; se o tombo for grande nos Estados Unidos, afetará a demanda por importações de produtos brasileiros, e isso reduzirá o crescimento aqui. O melhor cenário para o Brasil é a crise ser evitada lá.

- Se os juros caírem fortemente para evitar a recessão nos Estados Unidos, e ela for de fato evitada, isso nos beneficiaria de duas maneiras: primeiro, porque manteria a demanda pelos produtos brasileiros; segundo, porque a queda dos juros aumentaria a procura por outros investimentos, como os do Brasil - diz o ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, da Ciano Investimentos.

A economia americana teve um bom resultado no segundo trimestre deste ano, mas os cenários são mais pessimistas para o terceiro e o quarto trimestres. O Brasil amanhã deve mostrar um crescimento de 1,2% na comparação com o trimestre anterior e de 5,9% quando comparado ao mesmo trimestre do ano passado, segundo Ilan. Há outras projeções de bancos e consultorias, todas mostrando que se pode ter hoje um número perto de 6% no trimestre comparado ao mesmo período do ano anterior. A projeção para o PIB de 2007 é em torno de 5%.

- Nós estamos caminhando para um PIB de 5%. Os Estados Unidos, para um PIB de 2%.

O Credit Suisse First Boston está prevendo 1,1% de crescimento no trimestre e 6,1% na comparação com o mesmo período do ano passado. A previsão do ano pelo CSFB é de 4,7%.

- Hoje está mais difícil fazer previsão, com a nova metodologia, portanto há uma certeza menor. A sazonalidade não está bem estabelecida ainda - diz o economista-chefe do CSFB, Nilson Teixeira.

Mas a notícia, segundo ele, é melhor do que parece:

- O país está crescendo puxado pelos investimentos, que estão aumentando de forma vigorosa, a 12%. O investimento está crescendo há 16 trimestres, já é o ciclo mais longo em uma década. O setor privado está investindo nos setores de exportação, bens duráveis, construção civil, e algumas empresas estão investindo até em infra-estrutura - diz Nilson.

Há alguns números realmente impressionantes no Brasil, como o de produção e venda de carros.

- A venda de caminhões está crescendo a 30% sobre o mesmo período do ano passado - diz Nilson.

O CSFB não acredita que haverá recessão nos Estados Unidos. Está apostando que o terceiro e o quarto trimestres serão fracos e que o país encerra o ano crescendo apenas 2%. Mas no ano que vem a economia americana melhora um pouco e cresce 2,5%. Não chega a entrar em recessão. Acha que a volatilidade nos mercados internacionais continua por mais algum tempo, mas não tem um cenário pessimista em termos de contaminação do setor real da economia dos Estados Unidos ou da Ásia.

Nesse cenário, o Brasil seria pouco atingido, mas, se houver uma volatilidade maior, o país é afetado exatamente no que está puxando hoje o crescimento.

- Se a volatilidade no mercado global aumentar, as multinacionais reduzem os investimentos por causa da incerteza. Além disso, grande parte dos investimentos hoje está sendo feita pelas empresas através das captações nos IPOs (lançamentos de ações). As empresas brasileiras estão com uma situação financeira bem melhor, com poucas dívidas e captando para investir. Como 70% dos IPOs são comprados pelo investidor estrangeiro, essa forma de financiamento fica comprometida num cenário de incerteza - diz Nilson.

Outros economistas estão muito mais preocupados com o cenário internacional. O professor da PUC Dionísio Carneiro, no seu Comentário de Conjuntura desta semana, tem uma visão inteiramente diferente. Ele acha que os balanços dos bancos não vão conseguir digerir os empréstimos temporários ligados a aquisições alavancadas, estimados em US$380 bilhões. Os bancos tomavam esses empréstimos e não os deixavam no balanço; foram apenas os repassadores. Agora, se não forem renovados terão de ir para os balanços. Isso foi feito exatamente para contornar os reguladores e auditores, mas agora se torna mais um expediente que torna difícil avaliar a extensão dos riscos. "Quando se tem dificuldade de avaliar ativos e balanços de devedores, garantias perdem o sentido, perdas são desconhecidas, assim como o grau de alavancagem", diz Dionísio em sua análise. Ele acha que uma queda nas taxas de juros americanas não resolve o problema, porque o que há é uma dificuldade de formação de preço. Quando os bancos centrais derrubam os juros, tudo o que eles estão dizendo, explica Dionísio, é que estão dispostos a "estimular mais do mesmo". Não corrige as distorções.

Este é o grande ponto: qual é o tamanho da crise lá fora? A volatilidade é só a superfície. O que está acontecendo dentro da economia e do sistema bancário é que é decisivo.

Nos últimos anos o Brasil cresceu menos que a média do mundo. No acumulado de 2003 até 2007, com a previsão do CSFB, chega a 17% de crescimento no Brasil e 23% no mundo. A diferença caiu porque, este ano, o Brasil está crescendo mais forte. O risco é de estar chegando atrasado na festa. Mas este ano o PIB brasileiro está garantido. É torcer para que os bancos internacionais consigam digerir a confusão que fizeram no mercado de crédito e a economia americana não entre em recessão.

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