Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 12, 2007

Merval Pereira - Fiel da balança




O Globo
12/9/2007

A crise política que já se desenrola há mais de cem dias ganhou vida própria, e a sessão secreta de hoje tem a dimensão de uma reunião histórica, que pode marcar uma reviravolta na imagem institucional do Senado, aproximando-o novamente dos anseios da sociedade brasileira, ou reafirmar definitivamente sua decadência política e moral. A agonia pessoal do senador Renan Calheiros, que foi tendo sua liderança desconstruída ao longo do processo, já não é a questão mais importante que está em jogo. Ele chega à sessão de hoje como se tivesse entrado no túnel do tempo, confirmando sua condição original de político menor, dos tempos em que fazia parte do "grupo de Pequim", formado por políticos provincianos, mas ousados, que inventaram uma aventura irresponsável que deu certo, a de lançar o então governador de Alagoas Fernando Collor de Mello à Presidência da República.

O desenrolar do processo da denúncia original feita pelo PSOL transformou a acusação ao senador Renan Calheiros de quebra de decoro parlamentar em um episódio marginal, se poderia dizer até mesmo irrelevante, diante de novas evidências que foram surgindo no caminho, de que ele forjou uma vida política à base de desvios de conduta, evidências que geraram mais algumas representações contra ele no mesmo Conselho de Ética que já o condenou uma vez.

Salvar ou não a pele de Renan Calheiros já não é mais o ponto central, mas sim salvar o Senado, que tem em pouco tempo seu terceiro presidente envolvido em situações irregulares de diversas naturezas. Os dois anteriores, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, tiveram que renunciar para não serem cassados.

Renan, ao contrário, preferiu continuar à frente da direção do Senado, praticando toda sorte de artimanhas para se defender, usando o regimento interno e o corpo de assessores da Casa a seu favor, distribuindo ameaças veladas e atropelando todos os códigos éticos para tentar se salvar.

Gostem ou não os petistas, eles serão na votação o fiel da balança nessa tragédia brasileira. Assim como o Senado estará votando seu futuro, o futuro do PT estará em jogo mais uma vez diante de questões de ética na política que, imaginava-se, eram a especialidade do partido em tempos idos.

A história recente demonstra que na maioria das vezes a propalada supremacia da ética petista na arena política não passava de uma bem construída imagem que não correspondia à realidade, mesmo antes de o partido chegar ao poder central.

A escalada do PT das bases municipais até o governo federal deu-se justamente, sabe-se agora, através de baixos conchavos políticos e conluios com esquemas espúrios de financiamento de campanha que nada tinham a ver com a imagem pública que exibia.

Transplantado para o governo federal, esse comportamento ampliou-se na formação de uma quadrilha a partir de gabinetes do Palácio do Planalto, e desaguou no esquema do mensalão, cuja existência agora ficou comprovada pela aceitação das denúncias pelo Supremo Tribunal Federal.

O partido moralista que se arrogava papel exemplar no exercício da política, passou a ser aquele que protege seus membros e associados acusados de corrupção com o manto do corporativismo, e hoje se vê em palpos de aranha para se livrar do peso que representa a parceria com Renan, o mesmo peso que já significou outra malfadada associação criminosa, a com o ex-deputado Roberto Jefferson, a quem o presidente Lula um dia deu um cheque em branco.

Também Renan transformou-se no avalista das relações do Planalto com o Senado, e hoje essa relação tão íntima cobra o preço na absolvição do companheiro. Por isso está sendo difícil para o PT lidar com a questão abertamente, e por isso a líder Ideli Salvatti tenta se livrar da responsabilidade de que o destino de Renan está nas mãos dos votos dos 12 senadores petistas.

Se o PT da ética na política ainda existisse, se é que algum dia existiu, não haveria nenhum problema em anunciar o voto a favor da cassação, tamanhas são as evidências que o incriminam. A tal ponto que, no voto aberto do Conselho de Ética, os três petistas votaram pela cassação, quando se previa até mesmo dois votos a favor do presidente do Senado se a votação fosse secreta.

Hoje, a oposição vai para a votação com questão fechada pela cassação do mandato, o que tira do PT o discurso de que todos os partidos darão votos para Renan. Apenas dois senadores do bloco de oposição não aceitaram: João Tenório, alagoano do PSDB que é amigo particular de Renan, e Edson Lobão, do DEM do Maranhão, ligado ao grupo do senador José Sarney.

É claro que fechar questão em voto secreto não significa quase nada, mas o que revela mesmo o feroz embate interno em que se divide o PT é a incapacidade de o partido assumir posição oficial, mesmo que simbólica como é a do bloco de oposição.

Deixar os senadores "livres, leves e soltos" para votar de acordo com suas consciências, como diz Ideli Salvatti, nada mais é do que assumir publicamente que não tem condições de colocar a ética na política à frente de interesses partidários imediatos, e muitas vezes subalternos.

A diferença a favor ou contra a cassação, que hoje é dada como certa que será mínima, nos contará, apesar do voto secreto, a posição de cada partido, e o PT está diante de dilema fundamental: ou começa a tentar resgatar sua bandeira de ética na política, ou se afunda cada vez mais na politicagem barata e na conivência com a corrupção, que vem sendo sua marca nos últimos anos.

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