Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 16, 2007

Miriam Leitão

Os Estados Unidos são uma primeira potência singular. Em vez de credora, é a maior devedora do mundo; em vez de invadir os países com seus produtos, é invadida. Seu povo não poupa, se endivida. Eles emitem a moeda de referência do mundo e ela está derretendo: no século XXI, o dólar já perdeu 33% do seu valor em relação às outras moedas do mundo.

Qual será o final dessa história? Muitas crises, correções de rumo, redistribuição mais equilibrada do poder econômico mundial.
Muita coisa deve acontecer nas próximas décadas deste século. Governo e povo americanos demonstram nunca ter ouvido falar que os impérios são temporários. Pensam que têm o poder eternamente, apesar de temer cada vez mais a China.

Há na sociedade americana uma firme convicção de que eles perdem com a globalização porque exportam emprego. Os números do mercado de trabalho parecem, por um lado, extraordinariamente bons. A taxa de desemprego vem caindo há anos e está hoje abaixo de 5%. No Brasil, há vários anos o desemprego está em dois dígitos. Tem caído ligeiramente, mas a média anual está em torno de 10%. Na segunda-feira passada a Bovespa despencou pela notícia ruim: a perda de quatro mil postos de trabalho em agosto na economia americana. Parece uma reação exagerada, mas o que o mercado estava vendo era o sinal de reversão da fase de crescimento sustentado da economia americana. Esperavase a criação de cem mil empregos e houve a destruição de quatro mil.

No dado divulgado sobre o mercado de trabalho havia mais notícias ruins do que foi visto pelos investidores.

O emprego industrial foi reduzido em 64 mil postos de trabalho no mês de agosto. A maior parte dos empregos criados foi de garçons. O desemprego só não aumentou mais por um fator estatístico: 340 mil saíram da força de trabalho porque pararam de procurar emprego.

Como no Brasil, só entra na população economicamente ativa quem está procurando emprego; se a pessoa fica desanimada e não procura trabalho por um mês, ela sai da conta. “Mais e mais firmas americanas estão se mudando para outros países, e por isso as engenharias estão em declínio e os empregos de nível gerencial estão ficando confinados ao varejo e ao setor financeiro”, reclama o economista Paul Craig Roberts, ex-editorialista do “Wall Street Journal” e que exerceu o cargo de secretárioassistente do Tesouro no governo Ronald Reagan.

Ele publicou um artigo com um título curioso esta semana: “American economy: R.I.P.”, ou seja: Descanse em paz, economia americana.

Um exagero, evidentemente, mas ele se baseava nessa coleção de dados de déficits, dívida, desvalorização monetária, que inundam as estatísticas americanas.

Os Estados Unidos conseguem ter déficit comercial com todas as regiões do planeta. No ano passado, a diferença entre importações e exportações foi de US$ 838 bilhões. Os americanos estão convencidos que esse desequilíbrio se deve ao peso das importações do petróleo dos países árabes, e isso, pelas contas de Roberts, é falso. O déficit comercial com os países da Opep somados é um oitavo apenas do déficit total. Os Estados Unidos compram muito petróleo de outros países fora do Oriente Médio, como Venezuela, Nigéria, México.

Com estes três países, o déficit é 3,3 vezes maior do que com os produtores de petróleo do Oriente Médio.

Os Estados Unidos gastam US$ 150 bilhões com a importação de veículos e autopeças, 50% mais do que gastam com a importação de petróleo. Importam US$ 336 bilhões de roupas, sapatos e eletrodomésticos.

Em outras áreas, como bens industriais, máquinas e equipamentos e alimentos, eles também mais importam que exportam.

Uma parte do pensamento médio americano é de que tudo isso se deve à economia aberta demais, à invasão dos imigrantes ilegais e à decisão das empresas de transferirem para o exterior suas operações para pagar menos aos trabalhadores.

Alguns dos empregos que perdem é de empresas que estão saindo a contragosto.

O fazendeiro Steve Scaroni é um grande produtor de couve-flor, brócolis e alface no Sul da Califórnia. Ele lamentou ao “New York Times” estar exportando sua fazenda para o México. Houve um aperto da legislação contra imigrantes ilegais, e Scaroni conta que não tem como encontrar trabalhadores americanos para a sua propriedade. Dos empregados das plantações na Califórnia, 75% são mexicanos, a maioria sem os documentos legalizados, como o gerente da parte de brócolis da fazenda de Scaroni, Antonio Martinez, que depois de 15 anos e muito esforço ainda não conseguiu ter a situação legalizada.

As autoridades de imigração estão apertando o cerco em torno das empresas e ameaçam fechar as que tiverem trabalhadores ilegais. Scaroni está transferindo uma grande parte da sua produção para o lado de lá da fronteira, tendo uma grande redução de custos.

Pagava US$ 9 a hora e agora paga US$ 11 ao dia, no México. Nos Estados Unidos só estão ficando as operações que podem ser mecanizadas.

Mas a parte de maior valor agregado dele é a de produção de verduras e legumes para salada fresca, que exige uma seleção de produto, o que só pode ser feito manualmente.

— Eu não tive escolha a não ser transferir minha produção para o exterior pela incapacidade do governo de ter uma lei de imigração. Os americanos vão, cada vez mais, comer alimentos plantados, colhidos e empacotados por estrangeiros.

O que temos de decidir é se será feito nos Estados Unidos ou fora daqui — diz o produtor.

Arquivo do blog