Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 09, 2007

Miriam Leitão

Senado ferido

Sentado na cadeira de presidente, com ar proprietário, como se ela fosse uma de suas fazendas, o senador Renan Calheiros tem comandado sua defesa das acusações de uso de lobista para pagamento de contas privadas, de expedientes contábeis obscuros para comprovação de renda que justifiquem o nível das suas despesas.

Assuntos do mundo privado, cheios de indícios de irregularidades incompatíveis com o decoro exigido para o exercício de suas funções. Assuntos particulares, não questões da República. Renan os misturou, e esse é seu maior erro. Ele cometeu agressão à instituição e qualquer que seja o desfecho desse lamentável episódio haverá uma cicatriz.

O Senado demorou demais a reagir, há mais de três meses aceita que seu presidente se comporte como dono da instituição, aceitou o inaceitável por tempo demais. Ainda aceita, como essa sessão secreta, esse veto intolerável à fiscalização dos representados sobre os atos dos seus representantes e l e i t o s .

O que é o Senado? O professor Pedro Robson Neiva escreveu tese de doutorado no Iuperj sobre Senado e acha que ele é mal entendido, pouco estudado e tem poderes específicos.

— Não gosto da definição de que é uma câmara revisora. Primeiro, porque o Senado não apenas revisa, ele também inicia legislações.

Segundo, porque tem funções institucionais próprias com poderes mais em questões de Estado que de governo. É quem aprova a escolha do presidente e da diretoria do Banco Central, dos embaixadores, do procuradorgeral da República, dos diretores das agências reguladores, dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

O Senado brasileiro tem também poderes, que outros senados do mundo não têm, de limitar endividamento público nos três níveis de governo, e quando discute isso ele precisa ver mais o interesse público geral do que os dos estados que representam.

Por isso jogou um papel muito importante na e s t a b i l i z a ç ã o .

Pedro Neiva fez um estudo comparado da Câmara Alta em países presidencialistas e acha que o Brasil tem a herança dos senados fortes, como o dos Estados Unidos. Na história recente do Senado, o fato mais marcante, segundo o professor, foi o impeachment do então presidente Fernando Collor.

— Pouca gente se dá conta de que foi o Senado que fez o processo. A Câmara autorizou o julgamento.

A Câmara dos Deputados é muito mais estudada, seu desempenho tem sido objeto de análises mais freqüentes por parte dos cientistas políticos e especialistas em legislativo, mas o Senado não, na visão do professor. Em artigo publicado na revista “Dados”, ele explica a moldura institucional dos poderes: “Iniciar e vetar legislação, investigar e controlar as ações do Poder Executivo, escolher, aprovar as escolhas ou destituir autoridades governam e n t a i s . ” No seu texto, Pedro Neiva conta que ele foi inicialmente entendido, na Inglaterra, por exemplo, como defesa dos abastados, mas que na independência dos Estados Unidos seu papel institucional ficou mais claro. “Ele apareceu como um contrapeso institucional contra a tirania da maioria e uma garantia dos direitos da minoria. Ele decorreu de uma demanda dos estados menores, que para consentirem na criação de uma federação exigiram igualdade de representação em uma das casas legislativas. Desta forma o bicameralismo passaria a funcionar como um contrapeso às desigualdades sociais e regionais, contribuindo para o melhor funcionamento do regime democrático especialmente em países muito h e t e ro g ê n e o s . ” Com tal vulto e tarefa, o Senado é tudo menos a barricada que virou para Renan Calheiros. O pior dos erros do atual presidente do Senado brasileiro não é usar um lobista para pagar contas particularíssimas, ter feito pagamentos em dinheiro vivo, ser apanhado com notas frias nos seus negócios, ter tentado manipular a opinião pública fingindo estar sendo condenado porque teve uma amante. O pior foi ferir a instituição ao usá-la, manipular seu regimento, ocupar a cadeira de presidente no discurso de defesa, ou num bate-boca sobre seus próprios interesses; em resumo: não respeitar a fronteira entre público e privado.

O pior erro de Renan Calheiros foi o que se seguiu àquela primeira denúncia feita em maio pela revista “Veja” de que Monica Veloso recebia a pensão da filha do senador em envelopes com dinheiro vivo no escritório da Mendes Junior.

Auro de Moura Andrade, que presidiu o Senado em momento dramático da História do Brasil, apontou aos militares, que tomaram o poder, uma diferença fundamental: “Farda não é toga.” O que os senadores precisam entender é a ferida institucional aberta com o caso Renan.

A História e os poderes do Senado estão sendo malbaratados diariamente, toda vez que o senador Renan Calheiros se senta na cadeira de presidente e de lá passa a comandar a defesa de seu mandato, sua pele, seus negócios, seus poderes. A Casa que Renan preside não lhe pertence.

Nem mesmo temporariamente.

Ela é dos estados federados. Pertence à Nação Brasileira.

 O Senado da República enfrenta uma semana decisiva que pode ser o início do fim de um dos mais tristes momentos de uma instituição que tem deveres e poderes maiores. O Senado tem funções institucionais de Estado, pertence ao país e à República, mas tem sido usado como trincheira de defesa pessoal. Em sessão secreta, longe dos olhos de quem os elege, os senadores vão deliberar.

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