Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 09, 2007

Merval Pereira

Imagem preservada

 A história do mensalão confirma, de acordo com estudo do cientista político Sérgio Abranches, a lógica do uso da demissão de ministros envolvidos em escândalos como uma forma de preservar a imagem e a popularidade do presidente e do governo. Esse “mecanismo corretivo da popularidade” foi descrito em um trabalho de Torun Dewan e Keith Dowding, politólogos da London School of Economics, e um modelo foi montado pelo mesmo Dewan com David Myatt, economista da Universidade de Oxford, para definir como essas demissões devem ser estrategicamente decididas para obter o efeito político desejado.

De uma popularidade líquida negativa pelo Datafolha em dezembro de 2005, seu nível mais baixo, até a reeleição e os atuais níveis positivos que beiram os 60%, o presidente Lula agiu dentro do padrão internacional de preservação de imagem política, deixando pelo caminho aliados inconvenientes.

Diz Sérgio Abranches que, “no caso do poderoso ministro chefe da Casa Civil, que Lula chamava de ‘capitão do time’ e o ministro Joaquim Barbosa, do STF, de ‘mentor’ e ‘chefe supremo do mensalão’”, a visibilidade do escândalo era tanta que elevava significativamente o custo de lhe dar proteção. “O fator redutor da percepção desse custo, de acordo com o modelo de Dewan e Myatt, seria o ativismo em políticas públicas, ou seja, a importância do ministro no desempenho das políticas do governo”.

No entanto, embora José Dirceu fosse o coordenador das ações do governo, e sob esse aspecto haveria benefício em protegê-lo, “sua função primordial era de articulação política e era a própria articulação política que estava no centro do escândalo. Portanto, não havia benefício suficiente para descontar do custo de protegê-lo”.

No caso do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o cientista político Sérgio Abranches lembra que o escândalo era de muito menor proporção, sobretudo no seu começo, quando parecia estar circunscrito a eventos em Ribeirão Preto. “Mesmo o caso Buratti parecia muito controverso, não tinha dimensão suficiente para não ser esquecido rapidamente, logo que saísse dos holofotes.

Não parecia, também, ter ramificações suficientes para prosperar”.

Por isso, ressalta Abranches, o presidente o protegeu, muito mais que a José Dirceu, peça muito mais fundamental para sua caminhada até a Presidência da República. “A isso, somavase a importância central da política macroeconômica para a credibilidade do governo e, inclusive, para ajudar a ‘blindálo’ em relação à crise do mensalão”, lembra.

“Os benefícios derivados da manutenção da política macroeconômica, da relação de confiança que o ministro construíra com o mercado financeiro, desde a transição de governos, em 2002, superavam de longe os custos, em popularidade, de protegê-lo. O mensalão tinha mais visibilidade e quase todo o custo para a popularidade presidencial viria desse escândalo, e não do caso Buratti”, analisa Abranches.

Já o caso do caseiro Francenildo Costa era diferente.

“Era tão grande a disparidade de recursos e poder entre ele e os envolvidos na invasão de sua privacidade bancária, que a solidariedade popular era inevitável”.

“Como um presidente que manipula como seu principal recurso simbólico ‘ser popular’, a identificação com os ‘pequenos’, poderia dar proteção a quem era suspeito de tal violência contra um popular?”, questiona Sérgio Abranches, para concluir que, “nesse caso, o custo suplantava qualquer benefício e, por outro lado, a economia já ia tão bem, que o risco de mudança de política era pequeno”.

Com relação ao ex-ministro da Comunicação Luiz Gushiken, era claro, diz Abranches, que o custo de mantê-lo era alto, “ele não era protegido por ser responsável por uma política, mas por ser um conselheiro de confiança e da intimidade do presidente”.

Em relação ao ex-ministro Palocci, há ainda uma outra questão também contemplada por Dewan e Myatt em seu modelo, lembra Abranches.

Palocci foi eleito deputado em 2006 e iniciou a legislatura com discrição, evitando voltar à berlinda. Recentemente, o governo atribuiu tarefas importantes ao deputado Palocci, como relatar a PEC que prorroga a CPMF e a DRU na Comissão Especial e articular a chegada da proposta de reforma tributária ao Congresso. Missões que não teria condições de cumprir, estando “queimado” pelos escândalos.

Segundo Sérgio Abranches, “no presidencialismo de coalizão, tarefas estratégicas de articulação política ou liderança no Congresso têm uma função ‘quase-ministerial’.

Por isso se aplica a essas lideranças o raciocínio aplicável aos ministros”.

Com as “derrubadas sucessivas”, Lula passa a ter, no início de seu governo, um ministério “limpo”, no sentido de que não esteve envolvido em nenhum escândalo, analisa Abranches. “Com isso, ganhou tranqüilidade para administrar os efeitos recorrentes do processo do mensalão, que provavelmente durará de dois anos e meio a três anos, portanto ocupando todo o restante de seu segundo mandato”.

Mais recentemente, o presidente Lula teve oportunidade de adotar novamente métodos do modelo, lembra Abranches: estouraria o escândalo revelado pela Operação Furacão, envolvendo o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau. Na primeira revelação, o presidente lhe deu proteção.

Quando surgiram fatos novos, ele foi demitido.

“Vez por outra saem notícias de que o presidente poderia readmiti-lo, o que poderia acontecer com o esquecimento do escândalo, que o deixaria ‘limpo’, novamente”, analisa Abranches, lembrando que Dewan e Myatt argumentam que “um ministro fica queimado, após ser envolvido em um escândalo, e continua queimado até que o escândalo seja esquecido. Uma vez que a amnésia se instala, ele volta a ficar limpo”.

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