Também, recentemente, em Cuiabá, adotou o presidente a tática da visão conspiratória, ao dizer que os seus opositores brincam com a democracia ao criticá-lo e são os mesmos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio ou que ficaram contentes com os 23 anos de regime militar.
Na entrevista publicada domingo neste jornal, o presidente retorna ao mote do "nada sabe", ao afirmar, sobre os fatos que compõem o "mensalão": "Eu não sei quem errou." Mas afirma saber quem não errou: o PT e o governo, já julgado vitoriosamente nas urnas.
O comportamento do presidente é repetidamente o mesmo, desde antes de eleito até agora: fazer-se de vítima. Atrás de qualquer dificuldade, vê e acusa a existência de uma ação conspiratória dos derrotistas, direitistas, golpistas, de setores da imprensa contaminados pela inveja.
O reiterado comportamento presidencial consiste em jogar a culpa nos outros, em não assumir responsabilidades, em diabolizar os adversários para se identificar com o bem, visualizando, por exemplo, na ação do governo em favor dos pobres, com o Bolsa-Família, a raiz da raiva de setores da "elite" contra o seu governo.
A tática é sempre a mesma: alegar, contra a evidência dos fatos, veementemente, que nada sabe e posar de vítima para, na seqüência, estigmatizar o opositor com mentiras simples que o desqualifiquem. É uma das espertezas da propaganda política desde Goebbels: colar à figura do adversário a marca de inimigo do povo.
Na encenação do papel de vítima, o presidente não se constrange em violentar a História ao tachar seus opositores de hoje como os algozes de Getúlio de 1954 ou como defensores do regime militar. Com desfaçatez, faz relações falsas, além de desrespeitar a biografia de tantos dos seus críticos, exilados e presos na ditadura, muitos combatentes antes dele ao regime militar.
A tese da conspiração autoritária vem sendo vendida pelo PT e pelo presidente Lula visando a incutir a versão de que os fatos constantes do "mensalão" não passariam de fantasia malévola, criada pela grande imprensa em perseguição aos que governam para os pobres. Agora, para o presidente e seus áulicos, também as vaias se inserem em insidiosa trama golpista.
Chega de farsa. A mágica de esconder responsabilidades se exauriu pela continuada repetição e o drama da vitimização está a virar pantomima. Assim, com o recebimento da denúncia do "mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se a versão de serem os fatos invenção da imprensa e da oposição.
Como frisou em sua sustentação o procurador-geral da República, não é possível imaginar que um esquema de tamanho do "mensalão", com os objetivos de obtenção de apoio parlamentar e político, tenha existido sem o envolvimento de algum membro do governo federal e do partido do governo. Na verdade, pela descrição dos fatos feita pelo ministro relator, pode-se verificar, mesmo ainda sem exame mais aprofundado, que a atividade financeira de Marcos Valério não se explica sem o Planalto, tal como a atividade política do Planalto, em suas relações com o Congresso, não se explica sem Marcos Valério.
A decisão do Supremo relembra ao presidente, vítima de amnésia continuada, que, no primeiro mandato de seu governo, a fórmula para se obter base parlamentar, sem compartilhar o poder, só foi viável pelo acerto ilícito da negociação financeira de apoio com parlamentares de outros partidos, adotando-se a lógica de não dar cargos, mas comprar adesão na boca do caixa.
A coincidência de datas dos saques em dinheiro nos bancos e dos encontros com lideranças partidárias ou seus assessores em hotéis de luxo, às vésperas de votações na Câmara, mostrou a operacionalidade do mensalão, como estratégia para ter maioria na Câmara.
Mas por que razão se deu essa prática corroída de fazer política? Porque um presidencialismo de coalizão pressupõe e exige divisão do poder, que o PT se negou a praticar. Vencidas as eleições, entendeu o PT ser imprescindível promover a integral ocupação do poder pela disseminação dos companheiros no aparelho de Estado, a ser inteiramente dominado, visando a que a administração pública não viesse a ser compartilhada com outras agremiações. Foi preciso, então, encontrar uma outra via de formação de maioria parlamentar, como meio de cooptação de apoio, ou seja, a mesada.
De outro lado, a fome de poder fez com que o número de cargos em comissão crescesse em demasia, em toda máquina administrativa, nos Ministérios, nas empresas estatais, nas fundações e nas agências reguladoras. Só na administração direta hoje são 23 mil cargos bem remunerados de livre nomeação, em sua maioria ocupados por companheiros do partido, gerando não só gastos, mas, o pior, a ineficiência administrativa.
Assim, criou-se, neste governo, primeiro e segundo mandato, uma Nova Nobreza, uma Nova Aristocracia, formada pelos ocupantes dos milhares de cargos em comissão e pelas centenas de companheiros conduzidos a posições elevadas nas empresas públicas e de economia mista. Esta a elite que aplaude o presidente nas comemorações oficiais. Promovem-se os aplausos chapa-branca, acusam-se as vaias de golpistas. Exaustivamente, a choradeira da conspiração direitista se repete.
O jogo de cena, no entanto, esgotou-se. Agora, o julgamento pelo Supremo pode servir para o presidente abandonar o papel de vítima e a empáfia de julgar serem as críticas apenas fruto de perseguição. Este é um bom momento para reconhecer erros, bem como o direito dos cidadãos e da imprensa de vaiá-lo ou criticá-lo sem o estigma de golpista, militarista, elitista.