Eles são falsos, mentirosos, aleivosos. Eles passaram mais de duas décadas fingindo ser o que nunca foram. Eles se tornaram uma cambada de ladrões, que preparou, durante muito tempo, um grande golpe. O golpe da ascensão social sem o esforço do aprendizado e sem o trabalho produtivo. Durante muitos e muitos anos eles tentaram vender - e até certo ponto conseguiram - o encanto do despreparo, o charme da ignorância, que levava até competentes intelectuais, por uma grotesca mistura de remorso cristão com culpa freudiana, a acharem bonito conseguir falar errado, imitando as silabadas do tosco líder. Eles conseguiram arregimentar exércitos de generosos e debilóides, puros de espírito e desorientados da vida, idealistas e bravos lutadores, desiludidos e esperançosos - sobretudo estes, os esperançosos, que pensavam perder "o medo de ser feliz", inspirando-se nessa babaquice marqueteira que arrebatou a alma de multidões de alegres palermas.
Eles são hienas que durante mais de duas décadas se fingiram de leopardos. Camuflaram a insensibilidade, esconderam o egoísmo, disfarçaram a covardia. Arvoraram-se em defensores maiores da ética na política, da moralidade no espaço público, da decência nas relações coletivas. Pregaram os melhores costumes, o respeito aos direitos alheios, o altruísmo no engajamento público-político, a correção inegociável no trato do patrimônio comum. Mas o que fizeram, quando lhes deram a oportunidade de chegar ao poder, foi lançar o maior dos insultos ao próprio passado. Rebaixaram seus próprios padrões de comportamento e desrespeitaram os da sociedade, deixando-a mais frouxa, leniente e preguiçosa, em relação ao culto de seus melhores valores éticos.
Acumularam, incorporaram e absorveram o que de mais sórdido já se praticou no mundo da política e em nosso espaço público. No poder, não se preocuparam em persuadir aliados ou adversários com a força das idéias, com a construção dos argumentos, tendo em vista atraí-los para algo que representasse o verdadeiro interesse coletivo. Em vez disso, optaram pelo suborno, pela abjeta compra de consciências, que é uma das mais degradantes práticas de negociação a que seres humanos se podem permitir. O estrago histórico que eles ocasionaram, na tentativa de generalizar, para toda a classe político-partidária, o comportamento nauseabundo deles mesmos, que acabou jogando no lixo o que lhes restava de credibilidade, tão cedo não poderá ser revertido.
Parece-lhes muito fácil repetir que só fazem o que todos sempre fizeram. Aí está o maior dos despropósitos, pois, se compararmos com o deles o lamaçal em que outros já deixaram chafurdar as pilastras do poder, veremos que se trata das semelhanças entre a simples coriza e a pneumonia galopante, ou entre o almoço da lagartixa e o do jacaré - visto que há uma substancial diferença de peso entre a locupletação dos bandidos públicos de ontem e a dos atuais.
Eles estão se julgando muito espertos quando, instruídos por seus advogados criminais - alguns que se especializaram em reescrever a dramaturgia delinquencial de seus clientes, mas nem sempre com carpintaria teatral convincente -, pretendem fazer crer que apenas praticaram "crime eleitoral", por meio do uso de caixa 2 em suas campanhas, com a qual teriam recolhido doações "por fora", ilegais. Só que não se trata de caixa 2, abastecida com dinheiro privado, mas sim de caixa 3, abarrotada de dinheiro público, desviado, roubado, por meio de contratos com a administração, feitos sem licitação, ou com reajustes ilegais, ou propiciando comissões espúrias, propinas e recebimentos por serviços não prestados.
Ao contrário do "conforto ideológico" que alguns críticos lhes oferecem, quando dizem que a bandalheira astronômica que têm praticado deriva da velha adoção do princípio "os fins justificam os meios", eles não têm roubado o patrimônio público porque querem recursos para construir uma sociedade melhor, ou um sistema de distribuição de renda mais justo, ou um utópico "paraíso socialista". Nada disso. Sem ideologia alguma, mas apenas com a vontade de encher as próprias burras, com o frenesi de enriquecer rápido e ter vida luxuosa, lambuzada do que antes nunca tiveram (e invejavam nos que tinham), sem precisar de maiores esforços para construir riquezas (pois mais fácil lhes era obtê-las afanando os cofres públicos), certamente os "paraísos" de sua preferência são, mesmo, os fiscais.
O pior de tudo, no entanto, é o estrago que essa corja causa no espírito dos jovens, na medida em que lhes inocula, no período mais decisivo de sua vida - em termos de decisões de projetos, de escolhas de caminhos -, o vírus tenebroso da desesperança, da desilusão, da descrença, da desistência moral, da sensação do "tanto faz, porque todos são canalhas". Com o cinismo de suas explicações inverossímeis, com o deboche de suas justificações estapafúrdias - protegidos por habeas-corpus preventivos, que se tornaram a institucionalização do direito à desfaçatez -, estes malfeitores públicos desmoralizam a palavra empenhada, o valor da busca da veracidade dos fatos, das relações, dos acontecimentos, transformando tudo num jogo de palavras inúteis - quando não pérfidas.
Em vista de tudo isso, não há outro caminho: o País só se recuperará (ética, política, administrativa e economicamente) se livrarmos o espaço público de todos eles, de cima a baixo, sem exceções, blindagens ou acordões. Pois para a dignidade pública não há preço político.