A arte de demitir
A demissão ou renúncia de ministros envolvidos em escândalos pode evitar ou corrigir a perda de popularidade do presidente ou primeiro-ministro, funcionando como um mecanismo corretivo da popularidade.
Essa é a tese de Torun Dewan e Keith Dowding, politólogos da London School of Economics, em artigo publicado no “American Journal of Political Science”. Com base nesse estudo sobre a relação entre escândalos políticos e a popularidade de um presidente ou primeiro-ministro, o cientista político Sérgio Abranches analisa como esse modelo se aplica ao caso da relação entre o presidente Lula e os três principais ministros de seu primeiro governo, demitidos por envolvimento em escândalos: José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci.
Em artigo publicado este ano na “American Political Science Review”, o mesmo Torun Dewan e David Myatt, economista da Universidade de Oxford, desenvolveram um modelo formal que analisa as demissões ou a proteção de ministros como uma decisão estratégica do primeiro-ministro ou do presidente, para administrar os efeitos de escândalos na sua popularidade em longo prazo.
Embora analisem o governo inglês, os estudiosos dizem que o modelo pode ser utilizado para avaliação de qualquer governo. E Abranches mostra como Lula foi absolutamente bemsucedido nessa estratégia.
Como explica Sérgio A b r a n c h e s , D e w a n e Dowding argumentam que, mesmo quando constrangido por acordos de formação de coalizões, o chefe do Executivo tem controle direto sobre a composição de seu Ministério, podendo, portanto, substituir ministros que estão comprometendo o desempenho ou a imagem do governo, por outros que possam ter um efeito positivo sobre sua popularidade, como é o caso brasileiro.
Segundo Sérgio Abranches, Dewan e Myatt adicionam, no artigo mais recente, alguns elementos novos “muito interessantes”. O primeiro é que eles diferenciam os ministros “queimados” por envolvimento em escândalos dos ministros “limpos” e mostram que, uma vez “queimado”, o ministro tende a ficar firme no cargo, porque estar no poder é um recurso importante de defesa e “blindagem”.
Embora não seja ministro, o presidente do Senado, Renan Calheiros, é figura fundamental na coalizão que sustenta o governo e está utilizando essa tática para enfrentar as acusações que ameaçam cassar-lhe o mandato.
Nesses casos, dizem os estudiosos ingleses, o chefe do Executivo, por sua vez, pode decidir proteger esse ministro na primeira “queimada”, na esperança de que o escândalo passe e seja rapidamente esquecido. O ministro fica “queimado” até que o escândalo se dissipe.
Mas dificilmente o chefe do Executivo manterá a proteção se o escândalo não passar ou novos escândalos (ou fatos novos do mesmo escândalo) “queimarem” ainda mais o ministro, porque o custo da proteção em popularidade se torna alto demais. Nesse caso, prevalece, segundo os autores, a regra “duas vezes, fora”. É o que pode estar acontecendo com Renan no momento em que seu processo está chegando ao fim.
Outro elemento inovador do modelo de Dewan e Myatt, segundo Abranches, diz respeito ao “ativismo na iniciativa de formulação de políticas públicas”. Os autores levantam duas hipóteses relevantes. “A primeira é que governos marcados por chefes de Executivo com alta propensão a substituir ministros para favorecer sua popularidade tendem a ter um índice menor de iniciativa na formulação de políticas e muito menos ousadia”.
A propensão do chefe a demitir para se preservar “põe todos os ministros na defensiva e reduz a ação governamental”, explica Abranches.
Além disso, se o chefe tende a demitir ministros a quem deu apoio ou prometeu proteger, perde a credibilidade com os substitutos, que já chegam ao governo hipercautelosos e convencidos de que, se forem “queimados”, não terão a proteção do presidente ou primeiro-ministro, in de pe nd en te me nt em en te das promessas que lhe tenham sido feitas por ele.
O segundo elemento tem a ver com a estratégia de um ministro que tem como sua melhor defesa o ativismo na ação governamental, e usa o ativismo para receber a proteção do chefe. Segundo o estudo, a proteção se justifica para o chefe do Executivo quando o escândalo não é muito doloroso e o ativismo é importante.
Se a capacidade de recuperação do ministro é alta, ministros “queimados” por escândalos de menor envergadura tendem a se recuperar rapidamente, e uma certa dose de proteção tem mais benefício do que custo, em termos do balanço popularidade x eficácia governamental.
Sérgio Abranches enquadra nessa categoria o caso do Ministro da Fazenda Antonio Palocci, como veremos.
É preciso registrar, ainda, ressalta Abranches, que, como indicaram Dewan e Dowding, na sua análise do caso inglês, a economia também tem um papel importante na determinação da popularidade do governo.
No caso do primeiro governo Lula e deste início de segundo mandato, esse papel é claro, analisa: “A velocidade com que Lula recuperou sua popularidade, à medida que se afastou dos principais protagonistas dos escândalos, demitindoos do governo e isolando-se em relação a eles, certamente tem a ver com o progresso do conforto econômico para as classes populares e médias decorrentes do extraordinário desempenho da economia em 2005 e, principalmente, em 2006”.
No entanto, ele diz que “não há muitos elementos” que permitam atribuir o desempenho medíocre do governo em várias áreas a essa propensão do presidente a demitir ministros “queimados” em escândalos e descumprir promessas de proteção.
“A falta de ativismo das políticas públicas pode pode ter a ver com outros fatores de ordem política e gerencial”, adverte o cientista político.
(Continua amanhã
Entrevista:O Estado inteligente
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