Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 12, 2007

AUGUSTO NUNES O Senado à beira de uma cova rasa






a

O homem do cafezinho e a mulher da limpeza, o jovem garçom do restaurante e a taquígrafa prestes a aposentar-se, o segurança novato e o decano dos gráficos, o motorista do ponto de táxi e o motorista do carro oficial, o repórter aprendiz e o colunista oficial - todos sabem que o presidente Renan Calheiros tem culpa no cartório. E que não é coisa pouca.

Sabem disso sobretudo os senhores senadores e as senhoras senadoras. Até a catarinense Ideli Salvatti, a mula-sem-cabeça de Lula, já descobriu que - a menos que não exista mesmo pecado do lado de baixo do Equador - defende alguém com contas de bom tamanho a acertar no dia do Juízo Final. Até o neurônio solitário do sergipano Almeida Lima já entendeu que o prontuário do chefe lhe garantiria o respeito dos piores companheiros de cela.

Até o mineiro Wellington Salgado conseguiu enxergar as dimensões da "capivara" do parceiro (a cabeleira obscena só não ficou eriçada porque nada causa espanto à versão degenerada de Rapunzel). O que esses e muitos outros senadores parecem ignorar é que milhões de brasileiros aguardam o desfecho da sessão desta quarta-feira com o tresoitão da ética engatilhado, prontos para revidar a ultrajante bofetada. Porque o país que pensa também sabe de tudo.

O Brasil decente talvez não soubesse tanto se Renan Calheiros reagisse com menos arrogância à divulgação, pela revista Veja, do capítulo em que contracena com a jornalista Mônica Veloso e um lobista da Construtora Mendes Júnior. É uma história e tanto, verdade. Envolve paixões proibidas, encontros clandestinos, envelopes com dinheiro, um filho fora do casamento, duelos telefônicos entre matriz e filial, dúzias de detalhes picantes.

A história garantiu a Mônica a capa da Playboy, além de credenciá-la ao papel de garota-propaganda de alguma campanha publicitária concebida para difundir o uso de preservativos entre parlamentares. Mas tudo poderia acabar virando piada de salão (como o escândalo do mensalão, segundo o profeta-bandido Delúbio Soares) se Renan Calheiros tivesse juízo.

Ao usar o lobista amigo para o pagamento de despesas pessoais, o pai-da-pátria alagoano quebrara o decoro parlamentar. Como tal infração justifica a cassação do mandato, a sensatez recomendava que deixasse a presidência do Senado para esperar - longe de holofotes, manchetes e capas - que a poeira baixasse. Preferiu ficar onde estava, confiante na cumplicidade corporativista. Os colegas saberiam retribuir os tantos favores recebidos, animou-se.

Aquartelado na cadeira de presidente, transformou o discurso de explicações numa declaração de guerra aos fatos, à verdade, à ética e à lei. O beija-mão liderado pelo comparsa Romero Jucá sugeriu-lhe que a impunidade vencera mais uma vez. A luta terminara. Estava só começando, demonstrariam os 100 dias seguintes. No quarto mês de combates, um zumbi preside a instituição em frangalhos.

Há séculos se repete que a morte política só vem com a morte física. Com Getúlio Vargas, o Brasil aprendeu que um grande suicida pode seguir influenciando o destino dos vivos. Acaba de descobrir que a morte política pode, sim, ocorrer em vida. Não há esperança de salvação para Renan Calheiros.

Se for absolvido pelos colegas, ainda assim não ressuscitará. Mas poderá consolar-se com a eterna companhia, na cova rasa em que jaz, do que restou do Senado.

Arquivo do blog