O Globo |
21/9/2007 |
Confundir os malfeitos de seu presidente e seguidores com a instituição foi talvez o maior prejuízo que a crise que continua se desenrolando no Senado causou à percepção popular sobre um Poder republicano que deveria ser o defensor do equilíbrio federativo, fundamental para o exercício da democracia. A absolvição do senador Renan Calheiros transformou os senadores, e por conseqüência o Senado, em alvo fácil dos que, como o PT, querem confundir o eleitorado para defender uma constituinte exclusiva com o objetivo de realizar a reforma política de seus sonhos que, como na Venezuela de Chávez, acabe com o bicameralismo e, quem sabe, aumente o número de reeleições. Não é por acaso que o PT defendeu o fim do Senado em seu recente Congresso, que teve o número 3 estampado na estrela vermelha do partido, numa grotesca mensagem subliminar a favor do terceiro mandato de Lula. No Senado, concentra-se a maior resistência da oposição ao rolo compressor governista. Na Venezuela, quando Chávez conseguiu fechar o Senado na reforma de 1999, os efeitos não foram muitos já que o Estado é quase unitário, não é uma federação de verdade. De qualquer maneira, o sistema unicameral facilitou a série de mudanças constitucionais que desaguou nos plenos poderes dados a Chávez e na possibilidade de reeleição permanente. A cientista política Alzira Abreu, da Fundação Getulio Vargas, lembra que o Senado representa os Estados, "e para a Federação ele é importantíssimo, pois o unicameralismo daria muito peso aos estados que têm maior população, e aos estados mais ricos". Na mesma linha, o cientista político Amaury de Souza, da MCM consultoria, considera "uma loucura" a proposta, por duas razões: o Senado é um elemento essencial para manter um sistema de pesos e contra-pesos na Federação, garantindo o pluralismo do sistema político. "Temos uma Federação altamente descentralizada, e o Legislativo ficaria dominado por São Paulo, já que teria a estrita proporcionalidade da representação das populações. Um homem, um voto, daria 1/5 do Congresso para os paulistas". Em uma análise comparativa entre o federalismo brasileiro e o norte-americano, Amaury de Souza lembra que o Colégio Eleitoral que elege o presidente da República no sistema político americano "tem funções muito parecidas com a nossa desproporcionalidade na representação da Câmara". Na Câmara dos Estados Unidos, há a estrita representação proporcional dos eleitores, pois o sistema é distrital, e no Senado cada estado tem a mesma representação. Mas no Colégio Eleitoral, "garantiu-se a possibilidade de os estados menores terem papel decisivo". No caso brasileiro, a desproporcionalidade foi introduzida na Câmara em larga medida, diz ele, para impedir São Paulo de dominar as decisões. "Foi uma reação à República Velha onde São Paulo e Minas Gerais dominavam a Federação com o maior peso demográfico. A Constituinte de 1988, ao colocar um teto na representação estadual, deu um recado direto a São Paulo. Antes, só se subia o piso". O senador Marco Maciel, um dos maiores especialistas em Federação e presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado mostra que os fundamentos teóricos dos federalismos do Brasil e dos Estados Unidos são os mesmos, "ambos se baseiam na igualdade de todos os estados no Senado, o que faz supor a igualdade política entre eles. A origem de tudo é a Constituição Americana de 1787, que aliás está fazendo 220 anos com apenas 26 emendas, o que é uma coisa notável". Maciel ressalta que ela "praticamente vertebrou todo um processo republicano, presidencialista, bicameral e federalista". Ele lembra que, na sua posse, o ex-presidente Ronald Reagan disse a seguinte frase: "Foram os estados que fizeram a União, e não a União que fez os estados. De muitos, um". Por isso, também, o presidente do Senado nos Estados Unidos é o vice-presidente da República, que é eleito nacionalmente e só vota em caso de desempate. "Nenhum estado ficaria beneficiado" - sistema que também já foi usado no Brasil. Segundo Marco Maciel, "não é possível conceber uma Federação sem a existência de uma Casa que arbitre os conflitos federativos e que seja um fator de equilíbrio. O Brasil é uma Federação muito assimétrica, não é possível abrir mão do Senado". Ele diz que é por essa característica de nossa Federação que o Senado brasileiro é considerado um dos mais fortes do mundo. "Compartilhamos atribuições com a Câmara, mas temos uma série de atribuições privativas, como aprovar chefes de missão diplomática, sabatinar ministros do Supremo, aprovar empréstimos para os estados com aval da União". Marco Maciel preocupa-se com o momento, que ele classifica como "de sístole no processo federativo brasileiro, com uma cada vez maior concentração de poderes na União". Ele cita o estudioso americano George Kennan, autor da teoria dos "países- baleias", de grandes extensões territoriais como Brasil, Estados Unidos, Austrália, que dizia que esses têm que ser federações, "pois não é possível dirigir países tão grandes de forma centralizada". O que seria possível fazer, aproveitando-se a crise do Senado, é, além de alterar seu regimento interno que não é tão transparente quanto o da Câmara, mudar algumas distorções, como a existência de senadores sem votos, no caso os suplentes, e até mesmo o número de representantes, que passou de dois para três por estado em 1977, no Pacote de Abril, quando foi criado o senador biônico. |
Entrevista:O Estado inteligente
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