O Globo |
20/9/2007 |
A discussão para a aprovação da CPMF, que garante ao governo cerca de R$40 bilhões por ano, está posta de maneira equivocada propositalmente. Há ameaças de acabar com os programas assistencialistas como o Bolsa Família, há a acusação de que a saúde sofrerá irremediavelmente. O presidente Lula, que já fez campanha pessoal contra, diz que nenhum governo pode abrir mão desse imposto. Na verdade, ele tem razão, quando se analisa a maneira como está montado o seu governo, com aumento de gastos públicos e sem as reformas necessárias. Estudos do economista José Roberto Afonso mostram que o gasto com a saúde não se alterou com a contribuição, continua nos últimos dez anos na faixa de 1,75% do PIB. A CPMF não aumentou o gasto com a saúde, pois os governos desviaram os recursos já destinados à área para outras fontes, em vez de acumulá-los. Na verdade a CPMF está indo mesmo para a Previdência e para o caixa geral da União. Os gastos com a saúde que subiram nos últimos anos foram os estaduais e municipais, o federal não saiu do lugar. Embora o gasto federal esteja subindo cada vez mais, a evolução dos chamados "gastos sociais" mostra que os programas universais, que são educação e saúde, continuam no mesmo nível desde 2000, enquanto os benefícios como Previdência, Loas, renda mensal vitalícia, seguro-desemprego e Bolsa Família subiram muito. Isto quer dizer que o governo federal arrecada cada vez mais e gasta mais com benefícios. Enquanto a reforma tributária ainda está indefinida, o governo dedica seus esforços apenas à aprovação da CPMF. O Imposto de Valor Agregado (IVA) que o Ministério da Fazenda está pensando em propor em uma hipotética reforma tributária tem os governadores do Nordeste na oposição, pois s sabem que o IVA vai acabar com a possibilidade da guerra fiscal, e querem compensação maior do que o Fundo de Desenvolvimento Regional proposto pelo governo federal. A ser adotado o "princípio de destino", em que se cobra o imposto onde o produto é consumido, e não onde é fabricado, os estados podem continuar concedendo incentivos fiscais para atrair indústrias, mas desde que o Estado abra mão de receitas. Como o governo encontra mais resistências do que esperava, a CPMF se tornou a questão central e relegou a reforma tributária a segundo plano. O embate da CPMF expõe a divisão regional e social do país: de um lado, o Sul e a classe média se posicionam cada vez mais, não apenas contra a CPMF, mas contra a carga tributária e os gastos excessivos do governo, do que a CPMF é só um símbolo; de outro lado, o Nordeste e os mais pobres se agarram ao Bolsa Família e aos demais benefícios. Para defender a CPMF, o governo está recorrendo muito mais ao terrorismo social, com ameaças de corte dos programas sociais, do que ao econômico, porque, segundo José Roberto Afonso, o mercado já percebeu que não adianta ter mais receita, que o governo gasta cada vez mais e mal. Voltando à questão federativa, ao optar por esse caminho, o governo fechou a porta dos governadores para a divisão do bolo do CPMF, nada negocia com eles, sutilmente esvaziou a liderança informal, que o governador de Minas, Aécio Neves, exerceu no primeiro mandato e, de repente, reaparecem os governadores do Nordeste, aonde a base governista tem franca maioria, propondo manter a guerra fiscal - que sempre foi o nó que parou as tentativas anteriores de reforma. José Roberto Afonso diz que a tese dos nordestinos seria válida se houvesse razão econômica, ou seja, se estivessem ganhando muitas indústrias, crescendo mais que o resto do país, graças à atual guerra fiscal. Mas nem é preciso verificar os números para saber que isso não ocorre, diz. Os poucos investimentos industriais têm sido concentrados no Centro-Sul. Na esteira agroindustrial foram para o Centro-Oeste, de longe os mais eficientes na guerra fiscal e, pior, fábricas de têxteis e calçados, atraídas no passado para o Nordeste, estão indo para China. A maneira de proceder do governo reforça a profunda e crescente centralização, fiscal e política nas relações federativas. Os governos estaduais se tornam atores invisíveis, enquanto os governos municipais foram elevados à categoria de parceiros preferenciais do governo federal, desde os braços distribuidores das bolsas, até os grandes beneficiários das concessões paroquiais de verbas via emendas e convênios. Fica mais fácil exercer o comando centralizado desse jeito, pois os recursos e as demandas são pulverizados, fragmentados e descoordenados, pelos interesses de mais de cinco mil governos, com realidades regionais, culturais, econômicas e sociais tão divergentes entre si. Cometi um erro na coluna de ontem, quando tratei do acompanhamento da freqüência escolar do programa Bolsa Família. O percentual baixo de 42% se refere ao número de famílias com acompanhamento na área de saúde. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o acompanhamento da freqüência escolar no último período consolidado, relativo a abril e maio deste ano, chegou a 69%, depois de quatro anos. Continuo achando que o acompanhamento das condicionalidades, embora tenha melhorado em relação à freqüência escolar, é muito falho. E que, diante de dez milhões de estudantes monitorados, um corte de quatro mil beneficiários é indício de que o acompanhamento está sendo feito por critérios no mínimo muito flexíveis. Fora o fato de que cerca de quatro milhões de alunos continuam sem acompanhamento, enquanto o Bolsa Família só faz crescer. |
Entrevista:O Estado inteligente
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