A dúvida é pertinente por vários motivos. A razão principal é a ausência de credibilidade e confiabilidade na palavra e no propósito dos parlamentares. Primeiro, porque mentem - como ficou demonstrado na discrepância entre as declarações de voto e o resultado do painel eletrônico no julgamento do presidente do Senado.
Fosse esta a única ocasião em que suas excelências disseram uma coisa e fizeram outra, a Pátria estaria salva e o sistema representativo não estaria em xeque como está.
Em segundo lugar porque já tiveram oportunidade de acabar com esse processo antediluviano de decisão e não o fizeram. Em terceiro, porque não ganham nada com isso. E por não terem nada a ganhar, atuam nessa questão da mesma forma como agem em relação à reforma política: falam muito e fazem coisa alguma.
Ah, diria o diligente leitor, agora é diferente, essa é uma demanda da sociedade e os congressistas têm obrigação de atendê-la, estão sendo cobrados a isso.
Sem querer comprar ações do clube dos pessimistas, sejamos realistas: e desde quando mesmo o Senado e a Câmara demonstraram, no conjunto, preocupação real com o que pensam as pessoas aqui do lado de fora?
Quando a coisa aperta e a situação fica periclitante, apela-se para o velho argumento: não é a opinião pública que anseia, é a opinião publicada, a imprensa, os jornalistas, vale dizer, os implicantes soberbos que pretendem impor seus desejos.
Querem levar o poder público ''''na coleira'''', como já argumentou mais de um ministro para ressaltar o ''''absurdo'''' que é essa história de os meios de comunicação se acharem no direito de cobrar das autoridades um comportamento, no mínimo, dentro da lei e, se possível, adequado a regrinhas básicas ensinadas a (quase) todos na infância, de forma a viabilizar uma convivência razoável entre os seres humanos.
O mesmo espasmo cívico de agora fez a Câmara aprovar em setembro do ano passado uma emenda constitucional acabando com o voto secreto. A aprovação foi de faz-de-conta, porque não se completou o processo com a votação do segundo turno, que levaria a emenda ao Senado.
Naquela ocasião, os mais experientes já alertavam para a dificuldade de o projeto passar entre os senadores. Ciosos de sua proverbial lhaneza no trato entre os pares, demonstravam preocupação com o fato de o voto aberto provocar fissuras na fidalguia.
Isso quando havia ainda alguma a ser preservada naquela Casa, hoje mais assemelhada a um ambiente de casa de cômodos.
Ademais, demonstravam e ainda demonstram grande constrangimento em votar em aberto as indicações de ministros para o Tribunal de Contas e os tribunais superiores. E por quê?
Pasmem, mas o argumento é exposto a céu aberto: porque temem que, mais tarde, quando enfrentarem alguma complicação nas contas e nas leis, possam sofrer represálias por parte daqueles que tiverem eventualmente recusado para os respectivos cargos.
Dá para perceber por que aquela gentileza toda nas sabatinas que não sabatinam coisa alguma? Estão todos cuidando das próprias vidas e dos próprios interesses em detrimento da função constitucional de argüir e decidir.
Pelo mesmo motivo alegam a necessidade de votar secretamente na escolha dos presidentes da Câmara e do Senado. Receiam sofrer retaliações por parte do vitorioso.
Assim ocorre também em relação às cassações, aos vetos presidenciais e até a assuntos em que os partidos fecham questão. Sem o voto aberto, ninguém pode conferir posições, nem o governo nem as cúpulas partidárias.
Os votos fechados protegem a todos. E todos querem ali proteção. Principalmente proteção contra a providencial ''''faca no pescoço'''' da opinião pública, com a qual a maioria pouco se importa, mas que chateia um bocado.
Ora, se não têm nada a ganhar, se o bônus seria apenas do público e em alguns casos do poder constituído no Legislativo, no Executivo e nos partidos, qual seria mesmo a razão que levaria suas excelências a votar contra seus interesses?
O anseio da sociedade, os valores, a transparência? Ora, a sociedade, os valores, a transparência...
Ocasião
O limite da resistência do senador Renan Calheiros na presidência da Casa é a necessidade do governo. Se a obstrução à renovação da CPMF for só uma bravata da oposição, pode ser que prevaleça a posição de hoje, a intransigência.
Mas se o preço for o afastamento do presidente, que ninguém tenha dúvida: ele se afasta, como já se afastou para possibilitar a votação na Lei de Diretrizes e Bases em julho.
Por ora, no entanto, a firmeza em não sair é tática. Valoriza a saída. Se Calheiros entregar a presidência agora, fica sem trunfo. Corre o risco de que, a depender do desenrolar dos acontecimentos, lhe cobrem o mandato.