O Estado de S. Paulo |
6/9/2007 |
Confiante, o presidente do Senado, Renan Calheiros, iniciou o dia em que teve o pedido de cassação de seu mandato aprovado pelo Conselho de Ética pedindo “calma”, porque o capítulo final do drama que se desenrola há 104 dias ainda está por ser escrito e revelará, no desfecho, a vitória do vilão. “Vamos ganhar”, vaticinou, dono de si, o personagem principal. Justiça se lhe faça, não pregava no deserto; antes reproduzia a posição preponderante de que, no plenário, o Senado o absolverá, sob a proteção do voto secreto. Essa aposta relativamente consensual parece baseada mais no ceticismo - diga-se, autorizado pelo histórico recente de desmoralização de decisões dos Conselhos de Ética no Congresso - do que propriamente no preceito da objetividade. Há pesquisas internas feitas mediante consultas informais a senadores indicando que Renan Calheiros teria maioria apertada, não obstante suficiente para lhe salvar o mandato. Mas, à exceção de três ou quatro apaixonados pela causa, não se encontra quem exponha de peito aberto justificativas para absolver o colega presidente. Entre outros e cristalinos motivos, porque o resumo do caso não permite a construção sincera da convicção de inocência: os saques na conta bancária do senador não batem com os pagamentos da pensão feitos à mãe de sua filha; o patrimônio dele não bate com sua renda; os rendimentos oriundos de negócios agropecuários não batem com a realidade do mercado; o decoro exigido no exercício do mandato não bate com a conduta adotada pelo senador, nada bate com nada. Sendo assim, o que motivaria a Casa a absolvê-lo da imputação de quebra de decoro parlamentar, ignorando o relatório de Marisa Serrano e Renato Casagrande listando não um, mas oito pontos de infração? O corporativismo, o receio da vingança maligna, o temor da eleição de um senador de oposição, o gosto pela desmoralização, a vocação irresistível pela impunidade, a resistência pura e simples ao acolhimento daquilo que tudo indica ser o sentimento prevalecente na opinião pública? Parece pouco. A indiferença pura e simples ao exposto no relatório de condenação não servirá aos interesses da corporação. O Parlamento fez isso na absolvição de mensaleiros em plenário e levou um contravapor do Supremo Tribunal Federal, que convalidou todo o trabalho da CPI dos Correios e cresceu aos olhos da multidão. Não interessaria ao Senado se associar à nova baliza posta pelo Judiciário? O medo da reação de Renan Calheiros tampouco parece razão suficiente para inocentá-lo, porque, sem o cargo e o mandato, fica também sem poder de fogo e credibilidade para acusar quem quer que seja. A escolha do substituto não aflige, visto que a oposição já concorda com a eleição de um “neutro”, como convém ao dia seguinte de decisões traumáticas, conforme já perfeitamente demonstrado no consenso firmado em torno de Itamar Franco logo após o impeachment de Fernando Collor e a aceitação da candidatura governista de Aldo Rebelo na substituição de Severino Cavalcanti na presidência da Câmara. Sobrariam no rol de razões o gosto pela desmoralização, a vocação para patrocinar a impunidade e a resistência à pressão de fora do Congresso, só pelo prazer de resistir. São motivações que não rendem nenhum ganho objetivo ao Senado. Ao contrário, só trazem mais aborrecimento, contestação e prolongamento do ambiente de conturbação. Não faz sentido também a história sobre a existência de um acordo tácito por meio do qual o colegiado lhe preservaria o mandato em troca da renúncia ao cargo. Sob a ótica do presidente do Senado, seria uma admissão de culpa extemporânea e desnecessária. Se não pediu licença no transcorrer desses mais de três meses, se suportou com cinismo ímpar todas as acusações, se permaneceu impassível diante das evidências, por que razão Renan Calheiros haveria de abrir mão de um ano e cinco meses na presidência depois de absolvido, com o poder revigorado? Invertendo o raciocínio: e se o preço da manutenção do mandato imposto pelo plenário for a entrega da presidência? Ainda assim não seria vantagem para o Senado, pois ficaria com o ônus da absolvição contrariando todos os fatos expostos no Conselho de Ética, e Calheiros com o bônus do mandato. Por qualquer ângulo que se olhe, não é possível enxergar lógica nessa sensação generalizada de que o Senado deixará o dito pelo não dito. O que não quer dizer que não venha a deixar. Mas terá uma tarefa árdua pela frente, da qual só se desincumbe ignorando o mundo em volta, fazendo-se de cego, surdo e mudo. Não se esquecendo de, em seguida, arquivar os outros dois processos abertos contra o senador por causa da venda de uma fábrica da família em Alagoas a preço superfaturado para a cervejaria Schincariol e da compra de duas rádios e um jornal por meio de laranjas. É trabalho duro e sem recompensa, mas, se achar que vale a pena, o Senado tem uma semana para arrumar uma boa história para contar em casa. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 06, 2007
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