Augusto Nunes
O senador Aloizio Mercadante anda ruim da vista desde a campanha eleitoral de 2006. Candidato do PT ao governo de São Paulo, continua jurando, contra todas as evidências, não ter enxergado a movimentação do bando de aloprados que, a centímetros do bigode, negociavam a compra de um dossiê fraudado para prejudicar o oponente José Serra.
Na quarta-feira, ao explicar por que optara pela abstenção no julgamento de Renan Calheiros, Mercadante voltou a candidatar-se a uma longa temporada no Instituto Benjamin Constant. Nestes últimos 100 dias, desabaram sobre o delinqüente montanhas de provas com suficiente consistência para que Renan troque a cadeira de presidente pelo colchão de um catre. Mercadante não enxergou nenhuma.
"Achei melhor esperar o fim das investigações", recitou, sem ficar ruborizado. Antes de virar estafeta de Lula, ele não precisava de provas, sequer de indícios, para decidir que um adversário inocente era culpado. Nesta semana, voltou a bancar o míope para liderar o bloco da abstenção na mais obscena das sessões - e livrar da punição merecidíssima o parceiro bandido. É preciso coragem para tanta covardia.
Quase quatro meses depois de iniciada a procissão de bandalheiras protagonizadas por Renan Calheiros, só podem invocar o benefício da dúvida senadores pertencentes a uma de três subespécies: os cretinos fundamentais, os idiotas uterinos e os imbecis irremissíveis. Mercadante não se enquadra em nenhuma delas. Ele sabe que Renan merece a cassação. Entrou na luta para absolvê-lo porque o chefe Lula mandou.
Dúvidas reais recomendam reflexões solitárias e silenciosas. Dúvidas imaginárias, como as simuladas por Mercadante, convidam a movimentos nas sombras. Durante a sessão, o hesitante profissional procurou colegas já resolvidos a condenar o réu. Em vez de ouvi-los, tentou convencê-los a ficar em dúvida também. Ajudou a salvar Renan. Mas assassinou o próprio passado político. E pode ter ferido de morte o futuro.