Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Os supersalários da Justiça


editorial
O Estado de S. Paulo
1/12/2006

A reação dos presidentes dos Tribunais de Justiça (TJs) à decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que os obrigou a cortar imediatamente os vencimentos dos 2.978 juízes e servidores que ganham acima do teto salarial fixado por lei, era esperada. Assim como aconteceu quando o órgão responsável pelo controle externo do Judiciário determinou a demissão de parentes de juízes e desembargadores, para acabar com o nepotismo na instituição, a magistratura está ameaçando deflagrar uma batalha judicial para tentar manter seus privilégios corporativos.

Ao todo, o CNJ examinou 188.764 fichas funcionais encaminhadas pela Justiça Estadual, pela Justiça Federal, pela Justiça Trabalhista e pela Justiça Eleitoral, tendo apurado irregularidades em 19 Tribunais de Justiça e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com sede no Recife. Essas 20 cortes até agora vinham deixando de cumprir a Constituição, que definiu os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, atualmente no valor de R$ 24,5 mil, como teto salarial para toda a administração pública em seus três níveis.

Mais de um terço das 2.978 situações irregulares apuradas pelo CNJ está em São Paulo. Segundo o órgão, existem 1.208 desembargadores e servidores ganhando acima do teto no TJ paulista, onde o maior salário é de R$ 34.814. Não é por acaso que o presidente da corte, desembargador Celso Limongi, é um dos principais líderes da rebelião da magistratura contra a decisão do CNJ.

Os dirigentes da Justiça estadual questionam os critérios utilizados para compor a lista dos supersalários do Judiciário, alegando que o CNJ não deveria ter levado em consideração determinadas vantagens funcionais para efeitos de cálculo do teto. Eles afirmam também que o corte nos vencimentos fere o princípio do direito adquirido, pois os valores que ultrapassam o teto foram definidos pela legislação anterior à Constituição de 88. "Os conselheiros fizeram um cálculo aritmético, sem considerar verbas a que os funcionários públicos e magistrados têm direito", disse Limongi, cujo protesto conta com o apoio do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. No mesmo dia em que Limongi comunicou que os TJs não cortarão salários, Souza criticou o Conselho Nacional do Ministério Público, que também vem tomando providências para acabar com os supersalários de promotores.

A decisão de cobrar de todos os tribunais informações sobre a situação salarial de seus integrantes foi tomada pelo CNJ no começo do ano, quando o então ministro Nelson Jobim era seu presidente. Sabendo que ele renunciaria ao cargo em maio para retornar à política, alguns dirigentes judiciais tentaram ganhar tempo, sonegando dados sobre juízes e servidores em situação irregular. Mas a ministra Ellen Gracie, ao assumir a direção do órgão, percebeu a manobra e manteve a decisão de seu antecessor.

Se não cortarem imediatamente os supersalários e cumprirem a ameaça de deflagrar uma batalha judicial em defesa do que consideram direitos legalmente adquiridos, os presidentes dos TJs criarão uma situação delicada para o Judiciário. Que isenção podem ter os tribunais ao julgar um caso no qual todos seus integrantes são parte diretamente interessada? E como evitar a desmoralização das instituições judiciais, caso desembargadores dos TJs e ministros de tribunais superiores decidam em causa própria, desprezando uma determinação constitucional?

O teto salarial na administração pública foi criado pela Constituição de 88 sob forte oposição dos setores mais graduados do funcionalismo. Sua regulamentação demorou anos para ser aprovada, por causa de resistências corporativas. E, quando finalmente entrou em vigor, essa disposição legal passou a ser sistematicamente desrespeitada.

No início, algumas corporações tentaram questioná-la judicialmente, invocando "direitos adquiridos" antes da promulgação da Carta de 88. Conscientes da fragilidade desse argumento, algumas corporações vinculadas às carreiras jurídicas do Estado, como a magistratura, mobilizaram-se para tentar excluir, no cálculo do teto, todas as vantagens funcionais e benefícios, como ajuda de custo, gratificações e verbas indenizatórias. Como esse expediente desmoraliza o teto, o CNJ, numa decisão corajosa, decidiu coibir seu uso. Foi isso que deflagrou a revolta dos dirigentes judiciais.

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